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Carta aberta á uma gigante lupina- Leonor Silvestri

sábado, 1 de setembro de 2012.
Ave Butler! Hail Mott!

"Na multiplicidade do libertário habita a multiplicidade do romântico. O problema é que no mundo e no fundo nos acostumamos ao binarismo:ou romântica ou libertária" (Fátima Lima)

Saudações lupinas e lúdicas!

Em primeiro lugar peço-te desculpas por escrever este texto na meu próprio idioma, mas minha proficiência no espanhol é deveras restrita.Creio ser conveniente me apresentar. Meu nome “de guerra” é Erzulie Medusa Byron. Erzulie em homenagem á deusa vodu e como símbolo de ruptura com a cultura judaico-cristã.  Medusa para representar meu apreço, infelizmente  cada dia mais desgastado, com a luta feminista: o monstro mitológico que petrifica os homens, o símbolo perfeito da Ira feminina . E por fim, Byron, em alusão ao famoso poeta e a indicar meu comprometimento com a sensibilidade e o respeito ao sentimento e os desejos alheios. Como podes perceber, uma mesma pessoa, dotada de inúmeras  qualidades.
Ainda não tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente, ou o “desprazer” como as vezes gostaria de sentir, o que seria uma mentira. Como se diz na minha terra, por algum motivo “meu santo bateu com o teu”, ao ver por videos as tuas performances. Sou militante transgênerx e assim como a colega venho trabalhando nos espaços políticos com o debate Queer.

Não faço Política Queer por esporte ou por que acho bonito e contestador , mas sim por que a sociedade hétero-capitalista me obriga a tal. Enquanto os coletivos cis-gêneros como o teu insistem que “estamos engatinhando neste debate”, nós, a chamada militância TTT, estamos correndo, aliás, nadando, em subversões de gênero. Como diz uma amiga minha e igualmente lutadora, a conhecidíssima Maitê Schneider, “quando atravessamos a rua para comprar pão, já estamos militando”.

Lamento e me entristeço ao perceber que a Queer Theory tem limitado seu alcance a poucos espaços acadêmicos e pequenos coletivos de cultura alternativa. Nada contra a chamada cultura underground, a qual apoio e com a qual me identifico profundamente, mas não se pode limitar o acesso a um debate tão importante a pequenos grupos de iluminados. De fato, tais discursos têm se incorporado estratégicamente a grupos anarco-punks, como forma de contestar a lógica dominante, assim como o sentimentalismo têm sido usado como arma há décadas por emos, pós-punks e góticos (ao menos os mais clássicos),  contra a mesma burguesia mecanizada. Mas falaremos sobre isso mais adiante.

 Aqui, trata-se de defender que os discursos sobre a relativização/subversão do gênero devem alcançar igualmente a velha senhora ouvindo guarânia em seu radinho de pilha, em sua cadeira de balanço, imaginando de sua velha choupana em algum lugar no interior da Argentina,  o por quê de sua vida sexual ter sido sempre uma desgraça. Deve atingir o garoto pobre e raquítico que não sabe o porquê de apanhar todos os dias na escola de seus colegas grandalhões, mas que descobrirá que sua performance não está de acordo com o esperado pela sociedade cissexista, e que era esse o seu único crime.
(Este exemplo me é muito caro, por ser autobiográfico)

A Teoria Queer consiste em recolher o refugo social da comunidade e transformá-la em música, atirando-a em forma de critica a sociedade que o criou. Tal processo nós, os pejorativamente chamados “românticos” inventamos, ainda no século XIX. Multitudes, desválidos, deformados, tatuados, revolucionários, libertários, boêmios, mulheres, trabalhadores, lúmpen (enquanto massas e classe perigosas) são criações da geração hugoana. 

Pois bem,  venho a publico dar resposta a um artigo que encontrei em teu blog, intitulado “A Éticado Desejo Libertário”(2) (AQUI DISPONIVEL). Minha principal qualidade é a franqueza e a honestidade exacerbadas. Sempre digo o que penso, da forma mais educada possível ( não ser quando estou apaixonadx,pois ai as pernas ficam bambas e gaguejo muito). Admito que cheguei a ensaiar um artigo bem maroto e escrachado para apresentar aqui, mas percebi que não conseguiria defender um estilo de vida baseado na gentileza, sendo descortês. O debate deve ser encarado com toda seriedade e maturidade que merece e para isto cá estou.
Penso que podemos passar por cima de algumas supostas contradições no teu texto. Por exemplo, não entendi por que nos acusa (os românticos) de promovermos uma cultura do sofrimento e paradoxalmente, com toda razão  ao meu ver, destece uma critica à ditadura da felicidade.

Vamos direto a raiz do problema: o tal artigo é repleto de argumentos ad hominen, de acusações infundadas e levianas. De nada adianta chamar-nos de “doentes sociais” nos acusando de um “vicio burguês” como diziam os marxistas, se a sociedade hétero-burguesa, “tão nossa amiga”, se utiliza do mesmo vocabulário para nos estigmatizar,  medicalizar, dopar, para nos recolher a grupos de apoio psicossocial, ao exemplo do MADA(2)no Brasil. Se estamos a serviço da burguesia, poderiam por obséquio alertá-la? Pois continua nos perseguindo ferozmente mesmo passados vários séculos.  Podemos passar por cima também do psicologismo e das teorias anti-sentimentalóides encomendadas pela burguesia, o afã de definir, via-patologização, como devemos nos relacionar com nossxs amantes?Gracias.

Nós tendemos a entender que o tal Desejo Libertário e não o Amor Romântico é capitalista por excelência, por que reafirma, através de sofisticados processos de reconceituação e engenharia lingüística, as mesmíssimas relações de poder  engendradas pela burguesia neo-liberal, que lucra com a superficialidade das relações afetivas e familiares, conforme já apontado por Zygmunt Baumann. E, se as “virtudes burguesas” ficam de fora do sistema de empoderamento do desejo,apenas são estratégicamente trocadas por outras mais “libertárias”. “Sexo é poder” e sempre será.

Sim, a tal acusação é uma via de mão dupla. A recíproca infelizmente é verdadeira. Parece que o Desejo Libertário na pratica é tão opressor quanto o Amor Romântico. Só depende de que lado da gangorra você está.

NÃO pregamos a monogamia, apenas não a reprimimos e censuramos, justamente por acreditar que todas as formas de amar são igualmente válidas. E aplaudiremos caso alguém decida por espontânea vontade se manter fiel a uma única pessoa, como fazem os lobos solitários. Afinal, fidelidade aos próprios princípios é uma virtude muito rara em nossos dias.   NÃO defendemos a família nuclear, até por que na prática ela não existe mais. Só não impomos o ideário da troca de laços familiares, cada vez mais ralos, por uma matilha ou uma manada. Confrontamos violentamente o machismo, rompemos na prática as barreiras do gênero,  pois nossos companheiros são incentivados a expor seus sentimentos, numa sociedade sexista que insiste no dogma patriarcal segundo o qual “meninos não choram”. E os autores que a colega apresenta em seu texto para nos caluniar NÂO são românticos, são bregas.

O que mais me preocupa no teu discurso é o uso de insinuações de caráter moral. Falas que idiotizam e infantilizam o outro estão presentes em discursos de ódio e inferiorização. Não convêm pôr em duvida a ética do interlocutor  numa disputa e DE MODO ALGUM  estamos de lados opostos na militância.O capitalismo sempre tirou vantagem deste tipo de discurso de segregação e o está pondo em prática mais uma vez. É uma armadilha na qual todxs insistimos em continuar caindo! Estão pondo em nossas mentes uma falsa dicotomia “anarquistas libertárixs trogloditas versus libertinxs românticxs bobalhões” e estamos caindo como idiotas. E errando, desrespeitando de ambos os lados, nossos aliados e companheiros em potencial.

E aqui faço um desabafo: sinto que estou perdendo aos poucos a amizade de pessoas que por algum motivo se tornaram bastante importantes para mim, grande parte delas membros do teu Coletivo, devido meramente a esta estupidez, esta nossa miopia política. Não convém a pessoas que se reivindicam libertárias e contra qualquer tipo de opressão, permitir que amigos se separem meramente por discordarem. Isto não é libertário, tampouco romântico. É segregação. A mais pura babaquice. Radicalismos invariavelmente descambam em autoritarismos. Separam pessoas. Engessam idéias.  São chatos e brochantes.

Lúdicos chamam-nos de opressores e idealistas. Românticos acusam os libertários de serem insensíveis,  autoritários e niilistas. No fundo queremos todxs uma mesma coisa, não importa que nome/conceito demos a ela. Não importa se cultuamos alguma espécie de sentimentalismo, ou se preferimos algo menos “meloso”, menos idealizado. Enquanto seres humanos, necessitamos de amizade, respeito, carinho, afeto, tesão, fantasias. E somos todxs igualmente dignos da felicidade. Felicidade, alíás, que não é um fim, mas um principio e um meio, um triste caminho que nos vemos na obrigação de ajudar a florescer.

Temos falado efusivamente  sobre uma mesma coisa, com vocabulários diferentes e de diversos lugares de fala. E compreender isso é requisito sine qua non para nossa vitória politica. Sem romantismo, não há libertarianismo(e vice-versa). Sem paixão, não há revolução.

Nosso inimigo em comum é a burguesia mecanizada que poda nossos sonhos e molda nossos desejos, que nos robotiza e coisifica a todxs, todo o tempo, sem excessão, sem trégua nem piedade.

Pela primeira vez desde que comecei a militar contra as opressões de gênero- e faz já um bom tempo- sinto um cheiro diferente no ar, sinto um cheiro de Revolução. Gostaria que todos se sentassem em seus camarotes para assistir a chegada do novo. Ou melhor, que descessem para dançar conosco. Peço à nobre platéia que feche os guarda-chuvas, se encharque, se lambuze e sacie-se, pois findou-se o Estio e a Seara será tão grande quanto o poder de nossa Imaginação.

Desejo conhecer melhor o trabalho do Coletivo Ludditas Sexxualis, admito que achei muito rica e poética a expressão “Te sinto como uma irmã siamesa desprendida de minha mesma entranha”, mas admitamos, não passa de um eufemismo para a palavra proibida- e seu conceito: “Amor”. (Lúdicos jamais nos enganarão com seus jogos de palavras e sua 'Novilíngua', hehehe).

Eis uma mão neo-romântica estendida, humildemente propondo trégua e aliança nas lutas. Perderemos todxs se esta for mais uma história de Amor (político) não correspondido.

Carpe Diem!

Erzulie Dorothea Medusa Byron



NOTAS:

(1)Alusão ao artigo “Gigantas, casas, ciudades”, de Beatriz Preciado, que versa  sobre o agigantamento feminino como símbolo do medo da ruptura feminina com o espaço doméstico nos anos 1950.

(2) Informaram-me, à posteriori, que tal artigo alude a uma publicação recentíssima da Editora Milena Caserola, intitulada "Ética amatoria del deseo libertarioy las afectaciones libres y alegres". Que estou devorando com apetite e carinho. Disponível para download em: http://pt.scribd.com/doc/104422336/Etica-amatoria-del-deseo-libertario-y-las-afectaciones-libres-y-alegres

(3)MADA: “Mulheres que Amam Demais Anônimas”. Grupo “terapêutico” de apoio mútuo, baseado nos moldes e técnicas dos Alcoólicos Anônimos e dos Narcóticos Anônimos. 



*Segue video de evento ocorrido no ano passado, com a participação da nossa colega Leonor Silvestri. Tamém discordei de muita coisa, mas isso é matéria para próximos posts.



No closet

Desbundai e putiái!

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