"Na multiplicidade do libertário habita a multiplicidade do romântico. O problema é que no mundo e no fundo nos acostumamos ao binarismo:ou romântica ou libertária" (Fátima Lima)
Saudações lupinas e lúdicas!
Em primeiro lugar peço-te desculpas por escrever este texto
na meu próprio idioma, mas minha proficiência no espanhol é deveras restrita.Creio
ser conveniente me apresentar. Meu nome “de guerra” é Erzulie Medusa Byron.
Erzulie em homenagem á deusa vodu e como símbolo de ruptura com a cultura
judaico-cristã. Medusa para representar
meu apreço, infelizmente cada dia mais
desgastado, com a luta feminista: o monstro mitológico que petrifica os homens,
o símbolo perfeito da Ira feminina . E por fim, Byron, em alusão ao famoso
poeta e a indicar meu comprometimento com a sensibilidade e o respeito ao
sentimento e os desejos alheios. Como podes perceber, uma mesma pessoa, dotada
de inúmeras qualidades.
Ainda não tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente, ou
o “desprazer” como as vezes gostaria de sentir, o que seria uma mentira. Como
se diz na minha terra, por algum motivo “meu santo bateu com o teu”, ao ver por
videos as tuas performances. Sou militante transgênerx e assim como a colega
venho trabalhando nos espaços políticos com o debate Queer.
Não faço Política Queer por esporte ou por que acho bonito e
contestador , mas sim por que a sociedade hétero-capitalista me obriga a tal.
Enquanto os coletivos cis-gêneros como o teu insistem que “estamos engatinhando
neste debate”, nós, a chamada militância TTT, estamos correndo, aliás, nadando,
em subversões de gênero. Como diz uma amiga minha e igualmente lutadora, a
conhecidíssima Maitê Schneider, “quando atravessamos a rua para comprar pão, já
estamos militando”.
Lamento e me entristeço ao perceber que a Queer Theory tem
limitado seu alcance a poucos espaços acadêmicos e pequenos coletivos de cultura
alternativa. Nada contra a chamada cultura
underground, a qual apoio e com a qual me identifico profundamente, mas não
se pode limitar o acesso a um debate tão importante a pequenos grupos de
iluminados. De fato, tais discursos têm se incorporado estratégicamente a
grupos anarco-punks, como forma de contestar a lógica dominante, assim como o
sentimentalismo têm sido usado como arma há décadas por emos, pós-punks e
góticos (ao menos os mais clássicos),
contra a mesma burguesia mecanizada. Mas falaremos sobre isso mais
adiante.
Aqui, trata-se de
defender que os discursos sobre a relativização/subversão do gênero devem
alcançar igualmente a velha senhora ouvindo guarânia em seu radinho de pilha,
em sua cadeira de balanço, imaginando de sua velha choupana em algum lugar no
interior da Argentina, o por quê de sua
vida sexual ter sido sempre uma desgraça. Deve atingir o garoto pobre e
raquítico que não sabe o porquê de apanhar todos os dias na escola de seus
colegas grandalhões, mas que descobrirá que sua performance não está de acordo
com o esperado pela sociedade cissexista, e que era esse o seu único crime.
(Este exemplo me é muito caro, por ser autobiográfico)
A Teoria Queer consiste em recolher o refugo social da
comunidade e transformá-la em música, atirando-a em forma de critica a
sociedade que o criou. Tal processo nós, os pejorativamente chamados
“românticos” inventamos, ainda no século XIX. Multitudes, desválidos, deformados, tatuados, revolucionários,
libertários, boêmios, mulheres, trabalhadores, lúmpen (enquanto massas e classe perigosas) são
criações da geração hugoana.
Pois bem, venho a
publico dar resposta a um artigo que encontrei em teu blog, intitulado “A Éticado Desejo Libertário”(2) (AQUI DISPONIVEL). Minha principal qualidade é a franqueza e a honestidade
exacerbadas. Sempre digo o que penso, da forma mais educada possível ( não ser
quando estou apaixonadx,pois ai as pernas ficam bambas e gaguejo muito). Admito
que cheguei a ensaiar um artigo bem maroto e escrachado para apresentar aqui,
mas percebi que não conseguiria defender um estilo de vida baseado na
gentileza, sendo descortês. O debate deve ser encarado com toda seriedade e
maturidade que merece e para isto cá estou.
Penso que podemos passar por cima de algumas supostas
contradições no teu texto. Por exemplo, não entendi por que nos acusa (os
românticos) de promovermos uma cultura do sofrimento e paradoxalmente, com toda
razão ao meu ver, destece uma critica à
ditadura da felicidade.
Vamos direto a raiz do problema: o tal artigo é repleto de
argumentos ad hominen, de acusações infundadas e levianas. De nada adianta
chamar-nos de “doentes sociais” nos acusando de um “vicio burguês” como diziam os
marxistas, se a sociedade hétero-burguesa, “tão nossa amiga”, se utiliza do
mesmo vocabulário para nos estigmatizar, medicalizar, dopar, para nos recolher a grupos
de apoio psicossocial, ao exemplo do MADA(2)no Brasil. Se estamos a serviço da
burguesia, poderiam por obséquio alertá-la? Pois continua nos perseguindo
ferozmente mesmo passados vários séculos.
Podemos passar por cima também do psicologismo e das teorias
anti-sentimentalóides encomendadas pela burguesia, o afã de definir,
via-patologização, como devemos nos relacionar com nossxs amantes?Gracias.
Nós tendemos a entender que o tal Desejo Libertário e não o
Amor Romântico é capitalista por excelência, por que reafirma, através de
sofisticados processos de reconceituação e engenharia lingüística, as
mesmíssimas relações de poder
engendradas pela burguesia neo-liberal, que lucra com a superficialidade
das relações afetivas e familiares, conforme já apontado por Zygmunt Baumann.
E, se as “virtudes burguesas” ficam de fora do sistema de empoderamento do
desejo,apenas são estratégicamente trocadas por outras mais “libertárias”.
“Sexo é poder” e sempre será.
Sim, a tal acusação é uma via de mão dupla. A recíproca infelizmente
é verdadeira. Parece que o Desejo Libertário na pratica é tão opressor quanto
o Amor Romântico. Só depende de que lado da gangorra você está.
NÃO pregamos a monogamia, apenas não a reprimimos e censuramos,
justamente por acreditar que todas as formas de amar são igualmente válidas. E
aplaudiremos caso alguém decida por espontânea vontade se manter fiel a uma única
pessoa, como fazem os lobos solitários. Afinal, fidelidade aos próprios
princípios é uma virtude muito rara em nossos dias. NÃO
defendemos a família nuclear, até por que na prática ela não existe mais. Só
não impomos o ideário da troca de laços familiares, cada vez mais ralos, por
uma matilha ou uma manada. Confrontamos violentamente o machismo, rompemos na
prática as barreiras do gênero, pois
nossos companheiros são incentivados a expor seus sentimentos, numa sociedade
sexista que insiste no dogma patriarcal segundo o qual “meninos não choram”. E
os autores que a colega apresenta em seu texto para nos caluniar NÂO são
românticos, são bregas.
O que mais me preocupa no teu discurso é o uso de
insinuações de caráter moral. Falas que idiotizam e infantilizam o outro estão
presentes em discursos de ódio e inferiorização. Não convêm pôr em duvida a ética
do interlocutor numa disputa e DE MODO ALGUM estamos de lados opostos na militância.O
capitalismo sempre tirou vantagem deste tipo de discurso de segregação e o está
pondo em prática mais uma vez. É uma armadilha na qual todxs insistimos em
continuar caindo! Estão pondo em nossas mentes uma falsa dicotomia “anarquistas
libertárixs trogloditas versus libertinxs românticxs bobalhões” e estamos
caindo como idiotas. E errando, desrespeitando de ambos os lados, nossos
aliados e companheiros em potencial.
E aqui faço um desabafo: sinto que estou perdendo aos poucos
a amizade de pessoas que por algum motivo se tornaram bastante importantes para
mim, grande parte delas membros do teu Coletivo, devido meramente a esta
estupidez, esta nossa miopia política. Não convém a pessoas que se reivindicam
libertárias e contra qualquer tipo de opressão, permitir que amigos se separem
meramente por discordarem. Isto não é libertário, tampouco romântico. É
segregação. A mais pura babaquice. Radicalismos invariavelmente descambam em
autoritarismos. Separam pessoas. Engessam idéias. São chatos e brochantes.
Lúdicos chamam-nos de opressores e idealistas. Românticos
acusam os libertários de serem insensíveis,
autoritários e niilistas. No fundo queremos todxs uma mesma coisa, não
importa que nome/conceito demos a ela. Não importa se cultuamos alguma espécie
de sentimentalismo, ou se preferimos algo menos “meloso”, menos idealizado.
Enquanto seres humanos, necessitamos de amizade, respeito, carinho, afeto,
tesão, fantasias. E somos todxs igualmente dignos da felicidade. Felicidade,
alíás, que não é um fim, mas um principio e um meio, um triste caminho que nos
vemos na obrigação de ajudar a florescer.
Temos falado efusivamente sobre uma mesma coisa, com vocabulários diferentes
e de diversos lugares de fala. E compreender isso é requisito sine qua non para nossa vitória
politica. Sem romantismo, não há libertarianismo(e vice-versa). Sem paixão, não
há revolução.
Nosso inimigo em comum é a burguesia mecanizada que poda nossos
sonhos e molda nossos desejos, que nos robotiza e coisifica a todxs, todo o
tempo, sem excessão, sem trégua nem piedade.
Pela primeira vez desde que comecei a militar contra as
opressões de gênero- e faz já um bom tempo- sinto um cheiro diferente no ar,
sinto um cheiro de Revolução. Gostaria que todos se sentassem em seus camarotes
para assistir a chegada do novo. Ou melhor, que descessem para dançar conosco.
Peço à nobre platéia que feche os guarda-chuvas, se encharque, se lambuze e
sacie-se, pois findou-se o Estio e a Seara será tão grande quanto o poder de
nossa Imaginação.
Desejo conhecer melhor o trabalho do Coletivo Ludditas
Sexxualis, admito que achei muito rica e poética a expressão “Te sinto como uma irmã
siamesa desprendida de minha mesma entranha”, mas admitamos, não passa de um
eufemismo para a palavra proibida- e seu conceito: “Amor”. (Lúdicos jamais nos enganarão com seus jogos de palavras e sua 'Novilíngua', hehehe).
Eis uma mão neo-romântica estendida, humildemente propondo
trégua e aliança nas lutas. Perderemos todxs se esta for mais uma história de Amor
(político) não correspondido.
Carpe Diem!
Erzulie Dorothea Medusa Byron
NOTAS:
(1)Alusão ao artigo “Gigantas, casas, ciudades”, de Beatriz Preciado, que versa sobre o agigantamento feminino como símbolo do medo da ruptura feminina com o espaço doméstico nos anos 1950.(2) Informaram-me, à posteriori, que tal artigo alude a uma publicação recentíssima da Editora Milena Caserola, intitulada "Ética amatoria del deseo libertarioy las afectaciones libres y alegres". Que estou devorando com apetite e carinho. Disponível para download em: http://pt.scribd.com/doc/104422336/Etica-amatoria-del-deseo-libertario-y-las-afectaciones-libres-y-alegres
(3)MADA: “Mulheres que
Amam Demais Anônimas”. Grupo “terapêutico” de apoio mútuo, baseado nos moldes e
técnicas dos Alcoólicos Anônimos e dos Narcóticos Anônimos.
*Segue video de evento ocorrido no ano passado, com a participação da nossa colega Leonor Silvestri. Tamém discordei de muita coisa, mas isso é matéria para próximos posts.
No closet
Desbundai e putiái!
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