Os partidos,
agremiações e instituições da esquerda brasileira (ao menos aqueles que se
importam com as chamadas opressões específicas) estão perdendo a guerra contra
o machismo. Temos reparado, de uma forma muito freqüente, a toda uma série de
maus-exemplos, vindos de nossa juventude e de nossas lideranças.
A ANEL, a CSP e
especialmente o MML têm desgraçadamente falhado no embate as opressões de
gênero por falta de conhecimento e bases teóricas sólidas. Uma primeira critica
se pode fazer à insistência destas instituições em defender um modelo teórico
centrado no recorte de classe (a chamada 2ª onda feminista) em detrimento de
todo um debate sobre a opressão de gênero em si. Não é viável pensar na
diferenciação do sexismo vivenciado pela mulher burguesa, a proletária, a
negra, a estudante, se não há uma explicação aprofundada para o origem da
homofobia, do cissexismo e do machismo. Por exemplo, a ANEL apresentou por
ocasião do I Encontro de Mulheres da UFRJ, uma contribuição que meramente
ignora debates acadêmicos que têm viabilizado lutas e ações diretas em todo
mundo- ao exemplo da Marcha das Vadias, Bash Back, queer theory, pós-pornô,
anti-sexo- acusando estes movimentos de serem ‘pós-modernos’ e burgueses,
subestimando a força política por trás de tais fenômenos sociais.
Das diversas opressões
específicas, o machismo é a mais importante, pois atinge intimamente todas as
pessoas, indiferente de raça, religião, classe social, idade e gênero. E é
central o seu embate por que engendra, constrói e organiza todo um sistema de
poder. O machão sofre por ser obrigado a endurecer seu discurso desde que
nasce. As mulheres, crianças e idosos sofrem com as agressões de seus
companheiros e parentes, que aprenderam desde sempre a se fazer respeitar pela
força bruta. E os homens mais politizados e que não se enquadram nesta lógica
perversa sofrem com uma violenta desqualificação social- tendem a ser
considerados pela sociedade como "menos homens".
Infelizmente, sanções
do tipo simbólico, como fazer o machão pedir desculpas formais, ou retirar os
agressores da organização das mesas, como vimos na greve estudantil da UFRJ,
por exemplo, na prática surtem efeito contrário ao esperado. O tiro sai pela
culatra por que aquilo que se espera ser uma ação educativa se torna um
mau-exemplo, uma vez que tais penas são suficientemente leves ao ponto de serem
percebidas não como sanções, mas como conivência institucionalizada à opressão.
Apenas para dar um exemplo das distorções, em nosso grupo de discussão política,
recentemente definimos que atrasos às reuniões seriam punidos com a perda
momentânea do direito de fala. Qual o peso didático de se punir meros atrasos
com rigor muito maior que um caso de agressão machista/sexista? Não seria
deseducativo, uma vez que passaria aos demais companheiros, especialmente aos
mais jovens (portanto, com a mente e noções éticas em formação) e menos informados-
ou seja, aqueles que mais necessitariam ser sensibilizados- a idéia de que “não
dá nada ser machista”? E pior, além de reincidir no erro, o indivíduo ainda
ganha status no interior dos mecanismos e aparelhos, ao demonstrar uma
sensibilidade ao tema,muitas vezes falsa.
Acredito que a questão
seja muito mais complexa e perversa. Uma das correntes ignoradas pelos
companheiros é a dos novíssimos estudos masculinistas. Parece-me que a academia
e os intelectuais têm percebido cada vez mais a importância de colocar na mesa
também o debate sobre as masculinidades e sobre a opressão do homem. O homem
deixa de ser visto como a origem do machismo e passa a ser encarado com um
vetor do sexismo, tão oprimido quanto a mulher. Foulcaut nos ensina que as
relações de poder, portanto as opressões em geral, não são sempre hierárquicas,
assim sendo a mulher nem sempre cumprirá o papel da oprimida, cabendo este
papel ao homem. Um exemplo bem simples e que se pode ver a partir de um recorte
de classe, é o da alta executiva de uma empresa multinacional (as mulheres
estão cada vez mais presentes nas grandes empresas, apesar e por ganhar em
média 30% a menos) que discrimina o porteiro do seu edifício e pela noite
procura garotos de programa (os homens também estão cada vez mais presentes no
opressivo mercado da prostituição).
Numa conversa acalorada
com uma colega, expliquei-lhe que valorizar um rapaz pelo tamanho da barba era
tão absurdo quanto julgar uma moça pelo tamanho dos glúteos. A barba, conforme
podemos observar numa análise da história da moda e dos costumes, fora
considerada como indecente e símbolo de desleixo, apenas a partir de meados do
século XX e em espaços públicos e privados conservadores, como igrejas e
prestadoras de serviços formais. A barba sempre foi tida como um forte símbolo
de maturidade viril ao ponto de se acusar de “imberbe”, portanto dignos de
descrédito, aos rapazes mais jovens e inexperientes. A idéia, ao contrário do
que muito se imagina, é que a barba por fazer, os músculos avantajados, a voz
grossa e intimidadora, a competitividade, a disposição instintiva para apelar a
violência (mesmo física), a desvalorização da figura feminina, são caracteres
desejáveis aos líderes e que devem ser imitados pelos mais jovens. Basta uma
olhadela à nossa volta para repararmos quantos em nossa liderança se enquadram
no perfil do troglodita sexista.
Muito se critica e se
questiona- e com toda razão- o conteúdo e mensagens machistas dos comerciais de
cerveja, por exemplo. Mas proponho que se observe também qual a imagem do homem
ideal, apresentado nas mesmas campanhas publicitárias. Com excessão do baixinho
da Kaiser, que apesar de ser feio (“feio” sob que critérios?) aparecia em meio
às beldades dos vídeos (alusão subliminar ao poder econômico como substituição
a sedução baseada na aparência física?), a maioria é branca, fala grosso e
quase nenhum apresenta a famosa “barriga de chopp”.
“Mulher
não é só bunda e peito”. “Homem não é só músculos, barriga tanquinho e status
social”.
E assim, chego ao ponto
mais polêmico do meu discurso, tais caracteres e símbolos da supralternidade
masculina não são apenas desejáveis, como são fetichizados (sexualmente
valorizados) em nosso meio, assim como na cultura burguesa em geral. Aprendemos
com Freud a importância da sexualidade na formação psicológica e observamos a
importância política central do sexo na sociedade contemporânea. Como diria Foulcault, “sexo é poder”, assim,
também é espaço de opressão e também estratégico campo de batalha, na luta
contra o sexismo patriarcal.
Há explicações das mais
diversas para tal fetiche da masculinidade opressora, desde aquela
biologizante, que liga os símbolos de força viril e a conformação dos seios e
quadris femininos a capacidade maior de reprodução, até a que o explica através
da cultura. Mas indiferente de qual e explicação apresentada, as instituições
que defendem o combate as opressões têm feito vista-grossa a estes e outros
construtos sócio-culturais do patriarcado. Estamos tão habituados a conviver
com tais discursos que tendemos a naturalizá-los ou ignorá-los, quando não os
aplaudimos.
É sexy ser machista? O
machismo é um mero pecadilho ou um modelo de pensamento que induz a sérias
agressões e vitimiza a toda sociedade?
Me dirá uma companheira
feminista que cabe à mulher “ensinar” seu companheiro e admoestá-lo a deixar de
ser machista. Indago que força cultural levaria uma mulher a escolher como
companheiro e dividir o mesmo teto com um homem que sabidamente a irá
desrespeitar, e apresento como explicação a defesa despercebida de um postulado
básico do patriarcado: enquanto em nossa sociedade o homem é preparado desde a
infância para ser o líder, o provedor, à mulher cabe o papel da cuidadora e da
curadora. Justamente por isso, naturalizamos a idéia de que a mulher deve
“curar” seu companheiro do seu “vicio”. Tal atitude feminina, quando posta em
prática, é socialmente perversa, pois desvaloriza e pune com restrições o homem
que não se enquadra em tal, ao passo que coroa o machista, dando ao opressor
como prêmio, seus maiores tesouros: seu corpo, seu tempo, seus carinhos, seus
cuidados, seus sonhos...
Aliás, a idéia de que
“se o corpo é da mulher, ela dá pra quem quiser” se ancora noutro postulado
patriarcal, a de que o corpo feminino é uma oferenda a ser imolada em nome do
macho por ela escolhido, que via-de-regra será, a partir de uma complexa
engenharia do fetiche e do desejo (adivinhem...)aquele que se enquadra
no perfil do macho-alfa-opressor-burguês. Enquanto houver capitalismo, o
discurso do consentimento não passará de mera ilusão e de uma estratégia
perversa e excludente de segregação das minorias e de conservação do status-quo-
uma vez que é o próprio sistema que define o que é ou não “desejável”. E extremamente
violento, pois usa como ferramenta de repressão alguns dos instintos mais
importantes para a sobrevivência e sanidade humana.
Sanções simbólicas são
deseducativas e perdem o caráter exemplar. Machistas, racistas e homofóbicos devem
ser tratados com rigor. É preciso para que tenham algum efeito, que casos de
machismo, racismo e homofobia sejam severamente reprimidos para que os
agressores não reincidam em tais atitudes. A luta contra as opressões só
avançará e terá êxito, quando os agressores deixarem de ser constrangidos e
começarem a ser PREJUDICADOS, devido as próprias ações covardes e autoritárias.
Indiferente do cargo e posição deste dentro das instituições. Penalidades
igualitárias e democráticas! Doa a quem doer- e que doa (muito) nos próprios
agressores.
Por outro lado, e eis o
paradoxo, aprendemos pela experiência histórica que não se pode levantar
guilhotinas em praça publica, pois arriscaremos culpabilizar e perseguir
pessoas inocentes. Como diferenciar o machista reincidente e sádico daquele que
desconhece e portanto não reconhece os efeitos das próprias ações? Aliás, como
reconhecer o limite entre uma brincadeira aceitável e um atentado, se as
esferas de poder naturalizam e fetichizam tais atitudes?
Sim, somos todxs
machistas! E para vencermos este estágio do capitalismo, precisamos
urgentemente criar uma educação radicalmente não-sexista, que contrarie as
normas de gênero e ponha em cheque as diferenciações naturais entre meninos e
meninas. Precisamos construir uma cultura que desconstrua todas as formas de
fetiche e precisamos debater e indagar sobre quem afinal comanda nossos
desejos. É preciso, antes de ensinar os homens a não serem sexistas, educar as mulheres
machistas (grande parte delas encasteladas no interior do feminismo) para que
não valorizem e incentivem seus machos virulentos. E, antes de tudo, temos que
admitir nosso tabu, conservadorismo e hipocrisia ao lidar com os temas das
sexualidades, desejos e opressões de gênero.
ADENDOS:
1)Quem está mais familiarizados com os debates sobre opressões de gênero (e de gênero em geral) deve ter percebido que a minha critica fora reduzida propositadamente ás relações heteronormativas e cissexistas. Precisariamos de um espaço infinitamente maior para nos aprofundarmos e discurtrimos outros tipo de relação de poder/opressão. O problema é muito mais complexo do que parece...
2)Estou muito revoltadx com atitudes de certas lideranças acusadas de serem "machistas" por terem sido pegas "chifrando" seus/suas companheirxs. Isto não é "machismo", é TRAIÇÂO da mais nojenta. E quem trai seus companheiros e não honra seus compromissos, mais tarde, se eleito, desonrará seus eleitores e trairá a classe trabalhadora. Tenho dito :(
ADENDOS:
1)Quem está mais familiarizados com os debates sobre opressões de gênero (e de gênero em geral) deve ter percebido que a minha critica fora reduzida propositadamente ás relações heteronormativas e cissexistas. Precisariamos de um espaço infinitamente maior para nos aprofundarmos e discurtrimos outros tipo de relação de poder/opressão. O problema é muito mais complexo do que parece...
2)Estou muito revoltadx com atitudes de certas lideranças acusadas de serem "machistas" por terem sido pegas "chifrando" seus/suas companheirxs. Isto não é "machismo", é TRAIÇÂO da mais nojenta. E quem trai seus companheiros e não honra seus compromissos, mais tarde, se eleito, desonrará seus eleitores e trairá a classe trabalhadora. Tenho dito :(
No closet
Desbundai e putiái!
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