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Carta aberta a Drª Marisa Lobo- pioneira da Psicologia Cristã

segunda-feira, 24 de outubro de 2011.
Resposta a um artigo intitulado "Discussão sobre lei que criminaliza Pastores e Padres", constante no site http://www.psicologiacrista.com.br/

Carta aberta a Drª Marisa Lobo- pioneira da Psicologia Cristã


Cara doutora,

Provavelmente a senhora deva se recordar vagamente de minha pessoa. Sou a “penetra” que esteve presente a Audiência Publica contra a Legalização das Drogas, evento organizado e presidido por pastores protestantes e que tinha na platéia a participação exclusiva de fiéis. Naquela ocasião, enderecei pergunta por escrito a um colega seu, psiquiatra e então palestrante, pedindo fontes (artigos, sites, filmes) que comprovassem cientificamente que a identidade individual não é inata, mas se forma durante a infância e adolescência. Rogo-te que recorde ao teu colega tal pedido, uma vez que, como transexual militante os utilizaria para comprovar que, não havendo um gênero definido biologicamente, não há incongruência entre sexo e gênero nas pessoas transexuais. Ou seja, necessito de teu colega especialista uma comprovação de que não somos doentes mentais , que os manuais médicos que o acusam estão equivocados, que a própria psiquiatria não tem a menor jurisdição sobre nossos corpos e mentes e que as tentativas de “cura” de pessoas travestis e transexuais (e por que não incluir homossexuais?) não passa de puro charlatanismo- mas que é um direito inalienável do individuo ter acesso ao processo e ao acompanhamento pelo SUS, indiferente da patologização e da modalidade terapêutica. Avise-o que continuarei no aguardo.

Uma vez feita minha apresentação pessoal, me dirigirei à senhora, na qualidade de professora de Historia da rede publica estadual. Ao ler teu artigo comentando de forma tão eloqüente e militante o “famigerado” PLC 122, restarem-me diversas duvidas. Não entendi ao certo se as distorções de passagens históricas se deve ao puro desconhecimento do tema abordado (o que considero muito difícil, devido a tua comprovada sagacidade) ou se deve a antiqüíssima estratégia retórica de incluir discursos enviesados sobre o passado. Pois bem, duvidas a parte, proponho-me como profissional da área a corrigir alguns enganos:

Ao contrário do que senhora afirma em teu site, e como bem sabe qualquer estudante secundarista que já tenha trabalhado em sala de aula com o tema Reforma Protestante, ou como deveria ter-te sido ensinado na Escola Biblica Dominical , ou na tua faculdade de Teologia, tua religião não é “milenar”, tem menos de 500 anos de existência. A não ser que, num arroubo tautológico, a senhora queira reunificar historicamente a religião protestante ao catolicismo e buscar um passado mítico comum e “milenar”. Tautologias a parte , seguindo tua lógica historiográfica, ateus, pagãos e os atualmente autodenominados LGBT’s têm uma contribuição cultural e moral para o Ocidente infinitamente maior e mais rica que o teu ainda adolescente (no sentido cronológico) cristianismo. Como diria minha avó, “quando o burro mais velho fala, o burro mais jovem abaixa a orelha”.

Voltando à História do Cristianismo, diferentemente do que a senhora afirma e como bem o sabe qualquer fiel de boa vontade, a Eklesia, nunca seguiu um modelo de pensamento monolítico. Disenções, polêmicas e correntes internas são a marca da Cristandade desde os seus primórdios. Atesta-o inclusive as bíblicas cartas de Paulo de Tarso às varias igrejas da Europa, África e Ásia Menor. Da mesma forma vemos sangrenta mortandade entre cristãos já no século IV ( perseguições políticas a nestorianos, monofisistas, etc), quando, na ânsia de justificar o poder imperial, o então imperador pagão Constantino apresenta uma tentativa de unificar a Igreja sob seu comando – impondo o primeiro “Cânon”, conjunto de documentos que se alega divinamente inspirados (não se sabe com que critérios) ao qual os cristãos denominam “Bíblia”, e que, como bem o sabe qualquer leitor desta, diferem em numero e conteúdo, dependendo do credo que ao qual o fiel se filia. Vemos atrocidades cometidas entre cristãos no interior da França, quando da Cruzada contra os herejes albigenses, cátaros e gorgomilos, vemos as chamas ardendes da Inquisição crepitando sob os pés daqueles que ousavam discordar da ortodoxia.

Não apresento estes episódios, de dura lembrança para o Ocidente, no afã de denunciar a religião, mas como prova de que a Cristandade nunca foi monolítica. Enfrentamentos no interior da Eklesia sempre houveram e haverão. Atestam-no as diversas ordens eclesiásticas e agora uma infinitude de denominações protestantes, Demonstra-o a critica de ramos regulares do protestantismo como o teu, aos grupos pentecostais e neo-pentecostais, e agora à famigerada Teologia da Prosperidade, adulteração da fé cristã visando lucro e a venda não de indulgências, mas de graça e bênçãos. Imagino o que um Martinho Lutero teria dito sobre um Malafaia, um Santiago ou um Macedo...

Os cristãos nunca conseguiram chegar a um consenso sobre qual Bíblia seria “mais divinamente inspirada”, muito menos sobre quais versículos e mandamentos seguir com maior ênfase. A Bíblia dos católicos tem alguns livros a mais, provavelmente por que Lutero resolveu mutilar do Cânon trechos que se referiam ao culto aos mortos, gerador de um lucrativo mercado da fé. Justamente por isso há tantas denominações e divisões internas; por isso alguns guardam a sábado, outros o domingo; por isso, alguns utilizam largamente a internet, enquanto outros vêem o acesso à jornais e televisão como pecado; por isso temos mulheres pregadoras “denunciando o homossexualismo”, enquanto em algumas congregações as mulheres ficam caladas em respeito ao que propunha Paulo, o Evangelista. Pelo mesmo motivo, os cristãos não terão jamais acordo sobre a suposta condenação bíblica aos LGBT’s, e creio que a integração religiosa dos gays se dará na mesma velocidade em que a Cristandade conseguir se adaptar aos novos tempos e contabilizar os lucros advindos do “pink money” ( ou “dízimo cor-de-rosa”), exatamente como o pensamento tomista-escolástico o fez no século XII para incluir em seu seio a rica classe dos usurários ou o cisma luterano para proteger os interesses políticos e comerciais dos Príncipes da Baviera.

Nos quatro evangelhos sinóticos (aceitos como divinamente inspirados) Cristo põe-se a denunciar exclusivamente uma casta de pessoas, os fariseus e saduceus, moralistas e distorcionistas dos escritos sagrados que o utilizavam para seus propósitos escusos ; hipócritas que desfilavam com cinturões de ouro em meio às viúvas, os órfãos e os famintos , vomitando sobre estes uma santidade que não tinham, enquanto vendiam e violavam o santuário sagrado- enfim, os mesmos que agora visam atacar o “vício homossexual”, apenas para desviar a atenção da opinião publica e dos fiéis de seus roubos e escândalos de corrupção. Acredito que exemplos não se façam necessários, pois abundam nos vídeos e blogs da internet.

Cara doutora, tentativas de “cura” de “perversões sexuais” já são apresentadas sem o menor sucesso desde o inicio do século XX, quando indivíduos que não se enquadravam no corolário vitoriano da “família nuclear tradicional”- como se a famosa estratégia pudica do “furinho no lençol” fosse prática generalizada e não existissem doenças venéreas, amásias, nem prostitutas nas ruas do século XIX - eram simplesmente abandonadas à morte nos Manicômios, da mesma forma que indivíduos vitimados pelo “vírus da praga judia” eram amontoados em Auschwicz, para não “infectar a perfeita raça ariana”. Tentativas de melhorar a sociedade, “medicalizando” o anormal, aquele que foge às normas que, de forma geral são tiranicamente impostas de cima a baixo, não são nenhuma novidade. Agradeço em nome da comunidade LGBT a qual faço parte, pela grandiosa prova de amor cristão, ao intencionar popularizar todo um novo ferramental teórico-metodológico criado no interior da Psicologia, apenas para nos atender, mas imagino que suas teses e hipóteses seriam melhor apreciadas num Congresso científico, por uma junta de especialistas da OMS. Além do que, utilizar teorias alternativas, baseadas no efeito placebo (“conversão”) em “cobaias” humanas que acreditam estar sendo “curadas” de uma doença que oficialmente não existe, e sem o consentimento do CFP, não deve ser uma atitude muito ética, mas é só uma opinião de uma pessoa leiga.

Termino meu discurso recordando-te de forma fraternal, a divisa bíblica segundo a qual “pela árvore conhecereis os frutos”. Os frutos do entendimento, aceitação e do respeito ao outro (porque, em ultima análise nós também somos o “outro do outro”) são a paz, o amor e o respeito, um Paraíso na Terra. Os frutos da árvore da moralidade e do legalismo intransigente, mesmo que muito mal “embasados” por uma “ciência” corrompida- incluindo com "louvor" a tal Psicologia Cristã- são a hipocrisia, a homofobia, a “terapeutização dos pecados”, a marginalização, a violência, a guerra, a injustiça social, os guetos, os campos de concentração, os Progrons, e a religião em sua acepção mais mundana e prostituída.

Abraços, Dorothea Lavigne- Medusa Byron


(sim, tenho um problema: meu pai insiste em ser homofóbico)
PS: A foto que abre essa carta é para lembrar os efeitos sociais do tipo de terapia que a Drª Marisa Lobo propõe a seus pacientes 

DISFÓRICx É O TITIO DISFARSADO DE VOVÓZINHA!!!

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