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O gênero "revolucionário" e a macheza institucional. (1ª parte)

sexta-feira, 7 de março de 2014.
Ave Butler! Hail Derrida!

Primeira parte de uma série de duas postagens especiais em anti-comemoração do 8 de Março-Dia Internacional da Mulher "Trabalhadora" (como se não o fossemos todxs), explicando por que não construo essa data reacionária:

           "Nós somos as netas da bruxas queimadas nas fogueiras da Inquisição. Mentirinha, aquelas eram nossas tataravós. Nós somos as netas das revolucionárias mortas e estupradas por seus companheiros atrás das barricadas"
          "Os black blocs estão para os movimentos sociais e para a esquerda, assim como o FEMEN está para os movimentos feministas. Por que razão ainda não escurraçaram os primeiros como fizeram com os segundos? Seria por causa da defesa intransigente do machismo revolucionário?"

*Em memória do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, assassinado enquanto cobria embate entre PMs e manifestantes bandidos no Rio de Janeiro. Mais uma vítima do machismo revolucionário.(Bob Fernandes comenta o caso: https://www.youtube.com/watch?v=LPDGmpdKnKQe)


Delacroix; "A Liberdade guiando o povo"


 Estou uma pilha com o macho-ismo e o virilismo na esquerda auto-proclamada revolucionária. E é disso que falarei nesse artigo, alias sobre isso desabafarei. Falo enquanto pessoa oprimida que apanhava e era colocada de castigo pelo pai, por andar desmunhecando, falo enquanto menino que levava sova dos colegas na escola e era motivo de piadas por parte das meninas.Tenho militado a 7 anos junto ao movimento LGBT e aos militante da esquerda brasileira, já fiz parte de um partido, uma sigla bastante conhecida no meio político, já tive contato com gente de outros partidos, e de coletivos anarquistas. A maioria dessas pessoas são exemplares militantes e amigos excelentes, porém devemos admitir que as violências de gênero, machismo e LGBTfobia (sendo esta uma versão mais elaborada do machismo)prolifera nos coletivos e partidos. A minha explicação para isso, e vou defende-la, é simples, direta, honesta: a macheza (comportamento que gera e nutre o machismo e o virilismo)  é inerente à ideologia revolucionária, não há revolução, na sua ascepção mais comum, sem virilismo. Minha posição atual, é que enquanto houver opressões a Revolução será impossível, com o fim delas, a Revolução será desnecessária.

Vou na direção contrária à de certos discursos que tenho ouvido/lido pela internet, como o de Cecília Toledo e Heleieth Saffioti, para quem  (baseado no panfleto de Evelyn Reed, provavelmente) a luta das mulheres seria uma luta de classes contra a burguesia e não uma organização mundial baseada no marcador que separaria e gera uma opressão específica, o gênero , em especial quando entendido como uma divisão biologicista, essencialista e dicotômica, discurso inventado e sustentado até hoje (e aqui a grande ironia) por cientificistas "burgueses", marxistas e anarquistas.  Utiliza-se da embotada estratégia de jogar o oprimido contra um inimigo em comum, exterior, enquanto se beneficiam da "Luta de classes" para sabotar a "auto-organização" de mulheres e minorias sexuais contra seu inimigo histórico: a virilidade compulsória, geradora da relação desigual de poder. 

Se as esquerdas estivessem realmente preocupadas com a reprodução do machismo nas suas fileiras, se uniriam às mulheres e bichas burguesas para derrotar o sexismo no interior de suas organizações, reunificariam a classe trabalhadora (cuja divisão supostamente ensejada pelas opressões vivem denunciando) e só depois, com a classe reorganizada, pensariam numa revolução proletária. Mas preferem botar o carro na frente dos bois, pois como afirma a mesma Saffiotti e suas seguidoras, a discussão vital das relações de gênero é inacessessível as mulheres proletárias (mais fácil discutir mais-valia e ler O Capital, suponho) As marxistas dizem "o gênero nos une, a classe nos divide", ao que respondo, com certa base na literatura pós-feminista que sigo, "o gênero nos oprime, o classismo nos divide". Ou pelo menos assim tem sido, infelizmente. Lá insistem em falar que o problema da opressão de mulher e das minorias sexuais é de classe, aqui respondo que é puramente de performance, de comportamento, de cultura. Lá estudam e pensam a respeito da "classe mulher", aqui inverterei o discurso e me referirei, já desde o título, ao "gênero revolucionário". Lá se fala em "machismo", por aqui inaugurarei o conceito de "virilismo"


Pintura de Giuseppe Pellizza da Volpedo, intitulada "O quarto poder'', 1901. "Quem não milita, segura a criança"



Por virilismo entendo a reiteração, a legitimação do poder masculino- e nunca "do homem", frise-se, da idéia de que o macho viril é superior (indiferente de seu sexo), portanto a ele cabe o poder e a supremacia na sociedade patriarcal. Tal poder não tem de modo algum origem na propriedade privada, pois já existia dominação de um grupo sobre o outro, muito antes do surgimento e independentemente desta- aliás, em alguns momentos da história, como na XVIII Dinastia egípcia, mesmo com o acumulo de tesouros, tivemos amostras de poder feminino e não podemos nos esquecer que na época de Marx e Engels uma bio-mulher dominava simbolicamente a Inglaterra. O virilismo não tem nenhuma ligação direta com a burguesia, é uma ideologia que perpassa todas as classes sociais, todos os gêneros, raças e culturas.

França, 1789: a velha luta pela supremacia masculina?
Uma vez definido o que entendo por “virilismo”. Voltemos a questão revolucionária. Em nenhuma revolução históricamente notável se viu a participação massiva de mulheres e minorias sexuais, a não ser no papel de vitimas e perseguidas. Na Revolução Francesa, os próprios revolucionários fizeram questão de apagar dos anais a participação feminina. Com excessão de Charlotte Corday, a mínima participação delas não aparece, embora esse assunto esteja sendo agora retomado por pesquisadoras, que teriam encontrado indícios de participação feminina rechaçada no inicio do movimento. Já nas listas das cabeças guilhotinadas...

 Como o modelo dicotômico cientificista que separa os sexos/gêneros até hoje não existia àquela altura é possível afirmar com certa segurança que não havia entre as pessoas diferenciação acentuada, muito pelo contrário, excetuando a ênfase na maternidade (devidamente reproduzida por bastiões da esquerda como Engels e Kollontai, quando continuam empunhado a bandeira reacionária e sexista por "creches"), o lugar de homens e mulheres na sociedade feudal era idêntico, e praticamente não havia divisão sexual do trabalho. Com excessão dos subversivos, os "queer" da época que não se incluíam em nenhum dos gêneros, como as bruxas e os hereges, o que havia era uma perfeita simetria intercomplementar, uma harmonia entre os gêneros que os revolucionários da esquerda contemporânea sequer imaginam como replicar.  Tal divisão sexuada do trabalho surge com toda força no começo da Era das Revoluções, ou seja, diferentemente do que afirma Regina Navarro (O Livro do Amor) o tão falado modelo patriarcal não acabou com a Revolução Francesa e sim começou com ela. A mais conhecida alusão à figura feminina nas artes esta numa pintura de Delacroix, que representa a Revolução como um mulher com os seios desnudos, representando alegoricamente o lugar da mulher no processo revolucionário, enquanto mãe que nutre os seus filhos.

Na Revolução Russa, idem, muito embora feministas revisionistas jurem de pé junto (geralmente se baseando em autores virilistas como Lenin e Trotsky) que o movimento se iniciou como uma greve de mulheres. Mas é fato reconhecido que as posições de poder, a cúpula coube sempre aos homens viris. Em Cuba, além das mulheres aparecerem bem pouco, ainda os lideres, em especial Ernesto “Che” Guevara ( o protótipo do machão revolucionário latino-americano) obrigava-as  à praticar aborto contra a própria vontade e mandava os maricón à morte por extenuação no cargo mais estafante da ilha:cortar cana de sol-a-sol- exatamente como a burguesia vitoriana inglesa teria feito algumas décadas antes com Oscar Wilde. O argumento, conforme apresentado pelo próprio Che (adivinhem...) era que a pederastia manchava a imagem do homem ideal revolucionário- aliás, a mesma tese defendida por Engels em A Origem da Familia (1860), quando acusara a pederastia dos homens pela opressão das mulheres na Grécia Clássica. Mas a esquerda radical brasileira idolatra-os, veste camiseta com suas efígies, inclusive para ir a atos contra o machismo e homofobia. Irônico, para não dizer patético.

Leila Khaled, diva
Recentemente, uma organização me convidara a assistir uma palestra sobre a atual “Revolução Feminista” na Siria, que fora apresentada por uma militante vinda de lá. Como ela mesma dissera, as mulheres têm tido um papel importante no processo cobrindo os conflitos e fazendo reportagens e filmes no front. Estranho que no filme que ela mostrara durante a palestra, à certa altura mostra-se uma suposta assembléia do exército rebelde que acabara de tomar uma cidade, mas não reconheci no filme nenhuma mulher/minoria sexual numa posição de poder, discutindo e votando as decisões. Aliás, uma série estúpida de conflitos que já vitimizou mais de 100.000 cidadãos só por causa da teimosia (leia-se “machismo”) de rebeldes que ainda não entenderam que a Guerra Civil foi perdida, não conseguiram angariar o apoio da ONU e da comunidade internacional e estão rebatendo as bombas de caças do ditador Bashar al-Assad com “estilingues” e muita testosterona. Apóio e acho justíssima a bandeira pela queda daquele ditador sanguinolento, títere do imperialismo ianque, mas a falta de bom-senso é generalizada e mata.

Enquanto isso, os revolucionários "feministas" sírios apedrejam garota até a morte pelo crime hediondo de  fazer uso do Facebook: http://daily.bhaskar.com/article/WOR-syrian-girl-stoned-to-death-for-using-facebook-account-4521918-NOR.html


Virou moda em alguns espaços revolucionários mostrar mulheres armadas com fuzis e metralhadoras. Não há novidade nisso, na década de 1960 já tinham estampado nos jornais e revistas a bela figura da hjacker  (“seqüestradora de avião”) e uma de minhas heroínas favoritas do século XX, Leila Khaled. Mas conceder lugar de fala, poder e decisão às mulheres, já é vandalismo. Pelo contrário, por nossas paragens há quem critique o governo Dilma, como a prova de que a tese do “empoderamento” (feminino) não funciona. “Mulher no volante, perigo constante. Na frente do Estado, perigo dobrado”. O mais bacana é que não funciona mesmo, pois, como tenho defendido, nada importa o que x governante tem no meio das pernas. O problema é a forma máscula, violenta, excessivamente objetiva e fria como sempre entendemos e tratamos a política no Ocidente.


 No closet

Desbundai e putiái!

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