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Pornoterrorizando com Marvel Nessa

sexta-feira, 21 de março de 2014.
Ave Butler! Hail Derrida!

TEXTO QUE ESCREVI COM UMA AMIGA, PERFORMER PORNOTERRORISTA, A MARVEL NESSA (QUE NA VERDADE FEZ UMA TRADUÇÃO DO PREFÁCIO DO LIVRO "PORNOTERRORISMO" DE DIANA J. TORRES), PRA SER APRESENTADO COMO RESPOSTA E EXPLICAÇÃO DO ATO ULTRA-POLÊMICO NA JMJ- O TEMA MAIS POLÊMICO DO ANO DE 2013, ALIáS-, MAS QUE ACABEI DEVENDO PROS LEITORES:

Sobre Pornoterrorismo (por Erzulie Medusa Byron)


As reações e o mal-estar causado pela polêmica performance na ultima Marcha das Vadias de Copacabana, levada à cabo pelo Coletivo Coyote, nos colocaram a necessidade de fazer alguns apontamentos importantes. Não importa de formas contra ou à favor, o importante é que este julgamento deve ser minimamente embasado.

O que chamamos de Porno-Terrorismo s nada mais é do que uma vertente mais politizada e violenta do pós-pornô, que busca propiciar reflexões sobre gênero, sexualidade, Estado, opressões etc... a partir da lógica do "tratamento de choque", mostrando à sociedade heteronormativa aquilo que ela não deseja ver, que prefer jogar para baixo da tapete- nossos tabus e eneuroses. Neste sentido, este tipo de ato artístico-político tem a mesma função das fotografias chocantes de crianças esfomeadas  da Africa ou das cidades, porém considerando não a fome física, de ordem econômica, mas a repressão dos corpos e da sexualidade.

Mas o que é pós-pornô? 

Muito confundido, inclusive em meios feministas da esquerda, com pornografia "machista e vulgar", trata-se de uma tentativa de quebra de paradigmas do modelo de sexualidade dominante, “pai-mamãe". De fato é uma critica bastante recorrente e acertada de que a pornografia tradicional é machista, falocêntrica e desvaloriza a sexualidade das mulheres. 

O modelo usual de pornografia segue uma lógica fixa, um script presumível: começa com uma estorinha (na maioria das vezes não tem e quando tem, mostra a mulher como uma "presa fácil e bobinha" destituída de  libido e de vontade), passa-se à felação, ao sexo vaginal e anal e termina num "gran-finalle", a ejaculação masculina. Com pouquíssimas variações. Não precisa dizer que este modelo é heteronormativo, pois entende o ato sexual como mera penetração. Mesmo quando se resume a penetração oral, com a presença de travestis, masturbação, carícias entre mulheres lésbicas, os mesmo elementos normativos estão presentes, para empoderamento e deleite exclusivo do macho, sendo este o grande consumidor desse filão.

Jà o pós-pornô se propõe, enquanto vertente de arte performática, usar os corpos para destruir esta lógica. Se utiliza de elementos e sensações praticamente desconhecidos pela industria pornô, sejam eles o uso de sons e música  "exótica", uso e ressignificação de objetos- como no caso em questão de crucifixos e imagens,  É visceralmente politica e feminista porque  busca desconstruir o sexo enquanto construção de relações desiguais de poder- e não falamos somente de pornografia comercial já que o sexo é onipresente nas relações sociais. Nossos corpos e desejos se tornam o campo de batalha, de repressão e libertação.


Assim, a perfomance polêmica da Marcha das vadias pode ser entendida sobre multiplos ponto-de-vista. Como arte seria a ressignificação de um tema religioso para apresentar uma mensagem que o extrapola. Façanha parecida foi feita numa versão da Santa Ceia com travestis, e as inúmeras versões polêmicas da Paixão de Cristo produzidas por Hollywwod. Como manifesto político, o icone religioso se transforma nas correntes que prendem o oprimido, candeia que precisam ser quebradas. Representa a repressão sexual imposta pela Igreja por séculos e paralelamente, um retorno ao sagrado feminino vilipendiado e amordaçado.O problema não é a imagem e sim o sexo.





(parte da Nessa):


Marvel Nessa <3
A Performance, enquanto arte, evidenciou-se nas décadas de 1960 e 70, apesar de já haverem algumas manifestações anteriores, decretando o corpo como suporte da obra de arte. Porém, o corpo não é apenas matéria-prima reduzida à exploração de suas capacidades (exaltação de suas qualidades plásticas, medição de sua resistência e energia, desvelamento de seus pudores, inibições sexuais e perversões, seus poderes gestuais, etc), há a incorporação de aspectos sociais e individuais, vinculados a transfomação do artista na sua própria obra, ou seja, em sujeito e objeto de sua arte. A cultura nos leva a naturalizar comportamentos, gestos, seqüências de ações; a performances trabalha com a ausência de cristalização, ela particulariza o corpo como algo em potencial, em que a partir do imprevisto o simples adquire inúmeras possibilidades. Frente a um público que vive a ficção de seu próprio corpo, construída por rituais sociais estabelecidos, o artista apresenta em oposição um corpo que é prazer, sofrimento,dor e que a morte se inscreve. Dessa forma, ela perturba, rejeita, nega os velhos valores estéticos e morais, produzindo um estranhamento com imagens prévias de si próprio. Assim, através da transgressão, da mutilação, do onanismo, da escatologia, da degradação moral e da quebra de tabus, são realizadas denúncias, críticas e retira-se o espectador de um estado de indiferença e passividade. Busca-se, assim, despertar a consciência do público, retirando-o do ostracismo, através de uma experiência coletiva em que todos estão expostos ao golpe, pois ali o corpo é o denunciador de uma ferida coletiva, ferida esta portadora de uma metáfora do corpo.
Nestas ações o corpo ocupa todos os lugares, este não é a sua arte, é antes a sua linguagem. Expõe-nos um corpo aberto revelador de um sofrimento, é o testemunho de uma identidade, da experiência perceptiva, de certo modo social, é um corpo que expõe, denuncia e faz falar os mais íntimos segredos individuais e coletivos. Mas é precisamente por isso que o corpo exposto se torna estranho: por ser carnal, biológico, humano e, não um corpo idealizado pela perfeição. Não devido a uma artificialização ostensiva ou à sua comunhão perfeita com a técnica, e nem à intervenção de algum misterioso agente extra-mundano, mas é justamente por ser de carne e osso que ele se torna medonho. Porque é um conjunto de vísceras que incrivelmente vivem, pensam e sentem. E isso, por si só, serve para provocar um sentimento de estranheza com relação ao que somos: uma desnaturalização da nossa corporeidade em sua brutal condição anatômica, pateticamente finita e incompreensível.
O Pornoterrorismo - de Porné (em grego, Prostitua pobre ou escrava) e Terrorismo (Sucessão de atos de violência executados para infundir o terror) é, herdeiro desse viés artístico embora em seu manifesto se coloque enquanto anti-arte.
Diana J.Torres
“E como anti-arte, como arma de ação direta, como ritual mágico de encantamento, como exorcismo público, como máquina de guerra contra o aparato de captura da norma social hetero, como potência visual - contra/semiosis - o PornoTerrorismo é um modo de, um como construir um novo uso dos prazeres e reprogramar nossos desejos, um como engendrar as novas paixões alegres que acrescentem às nossas riquezas corporais, nossas potências imanentes, um como destruir as máquinas de fabricação dos gêneros e assim gerar uma contraprodutividade desde o prazer-saber.” (Manifesto Pornoterrorista Ludditas Sexuales)
“O pornoterrorismo é ação e conceito. As ações requerem experiências para nos empoderar, enquanto os conceitos projetam seu significado no tempo abrindo a possibilidade de que, em algum momento, se questione sua aplicação, permitindo ou levando a outro contexto. E ai reside seu potencial. [...] O pornoterrorismo nos recorda nossa materialidade, nossa animalidade, nossa brutalidade e, sobretudo, nossa sexualidade, nosso desejo. Mais ainda: nos diz que tudo isso que cremos como nosso, é território colonizado, e que é nossa responsabilidade expulsar o inimigo invasor. Ninguém virá nos salvar. O pornoterrorismo tampouco. Mas que se atreva o tempo duro a desafiar o infinito de uma vagina e um bom gel. [...] A História já nos demonstrou que a revolução é algo além de barricadas ardentes, encarceramentos massivos e hordas enfurecidas. Nesses tempos que vivemos, não há outra possibilidade de mudança radical que as pequenas ações que cumprem com o princípio da teoria do caos. E se o bater das asas de uma borboleta pode causar um tsunami no outro lado do mundo, me regozijo de prazer e esperança ao pensar o que pode ocasionar uma orgia sobre os cenários do mundo.” (tradução livre minha) -

( Diana J. Torres, no prefácio de "Pornoterrorismo)

Praquem se interessou e quer saber mais: http://pornoterrorismo.com/   

La Violinista [Trailer] from Quimera Rosa on Vimeo.

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O gênero "revolucionário" e a macheza institucional (2ª parte)

sexta-feira, 7 de março de 2014.
Ave Butler! Hail Derrida!

Segunda parte de uma série de duas postagens especiais em anti-comemoração do 8 de Março-Dia Internacional da Mulher "Trabalhadora" (como se não o fossemos todxs), explicando por que não construo essa data reacionária:

(continuando...)

Então qual seria a solução? Como fazer mudanças profundas na sociedade sem empoderar este tipo de discurso? Qual a tática mais apropriada? Eu vejo duas opções que não são contrárias, nem inter-excludentes, pelo contrário, podem até se juntar numa tática só: pacifismo e redefinição/desvirilização da violência. Isso sim é revolucionário por que quebra com paradigmas muito bem calcados na mente das pessoas. Porque não seguimos o exemplo de Mahatma Ghandhi e fazemos greves de fome silenciosas na frente das prefeituras e marcos de nossas cidades? Garanto que seria bem mais construtivo que continuarmos quebrando coisas dos outros, que pertencem à comunidade, chamaria mais atenção da mídia e apoio da sociedade. E se a policia vier nos bater ou dar voz de prisão, sigamos o exemplo do Cabo Daciollo, militante que se destacara na greve dos bombeiros em 2011, apanhemos calados em frente das câmeras, pois como diz o ditado “quem parte para a ignorância, perde a razão”. A violência viril é monopólio do Estado e da policia (cuja truculência é a única razão de existir). O monopólio da razão pertence aos oprimidos, explorados e excluídos.
                                                      
Vieram me mostrar até (quem diria...) o Levante de Stonewall, aquela defesa do "vicio burguês do homossexualismo" como um exemplo de como a violência pode ser um meio útil de alcançar vitórias políticas. Concordo em parte, pois este episódio também é um belo exemplo de como a idéia varonil de “violência justa” pregada pela esquerda radical pode e deve ser desmontada. Stonewall foi um marco singular, exatamente porque se propôs a romper com uma das mais duras e profundas estruturas sociais, a opressão de gênero, a subalternização do feminino. E pela tática de empoderamento e reprocessamento dos xingamentos à que aquela população se expunha cotidianamente, pela “guerrilha da linguagem”, podemos afirmar que foi a primeira Revolução ”Queer” da história. Houve bombas caseiras e barricadas, mas aprendemos a usar armas mais potentes chamadas “perucas”, “batom” e “salto alto”. 

Enquanto  noutros eventos se usava e ainda se usa de imprecações desrespeitosas para com as minorias sexuais e as mulheres, as bichas do Village desfilavam de forma exuberante na frente da polícia, cantando "I Will Survive" “Somos as Bonecas de Stonewall”. De modo algum fora um episódio classista, porque, apesar de toda uma diversidade política presente, a motivação, o ensejo, coesão e coerência às manifestações fora a busca pelo direito à consumir num bar. Dizer que Stonewall foi um evento classista é tão surreal quanto afirmar que os atuais "rolezinhos" são anti-capitalistas. Stonewall pareceu mais um levante “pró-pink-money” que uma revolução bolchevique- aliás, segundo um dos remanescentes, “que terminou antes de acabar”. Discordo, o espírito pacifista de Stonewall esteve presente ás mobilizações de 2013, alias foi o responsável pelos poucos avanços que tivemos nas consciências. Sobre O Junho de 69 teremos um artigo bem caprichado mais além, por ora evidencio que não foi nada ligeiramente parecido com aquilo que a esquerda revisionista aponta.
"Virilidade revolucionária? Me poupe"

Para se ter uma idéia do nível de virilismo e dominação masculina imposto pelo processo revolucionário, basta erguer os ouvidos à frases "inspirativas" tais como "a revolução só será feita com saaaangueee!". Mais testosterona do que sangue, digo eu, com sangue de gente inocente, porque a história demonstra que os mais radicais sempre se escondem nas suas casamatas quando a violência explode. Um indivíduo acaba de me "informar" que não haviam cartazes nem panfletos durante a Revolução Francesa (oi?!). Pelo contrário, a invasão das Tulherias nada mais foi que um levante muito mal organizado, sem o menor cuidado de raciocinar a conjuntura (vulgo "porralouquice juvenil"), que veio a coroar séculos de iluminismo.E que só deu certo, só mudou alguma coisa militarmente, devido ao fator-surpresa: o rei perplexo e assustado resolveu fugir de Paris ao invés de mandar as tropas aniquilarem os revoltosos, o que seria feito muito facilmente. Eu leio isto no Facebook ouvindo a Marselhesa de fundo só pra demonstrar que não houve nenhuma produção cultural no evento que não se resumisse à sangue e virilidade...

Revolução (a genuína) nada mais é que mudança de paradigmas, um momento no qual as pessoas deixam
de pensar de um maneira para pensar de outra. Ora, quando um PSEUDO-revolucionário parte para a "ação direta", fechando qualquer espaço de debate e construção coletiva, vira as costas para a classe que diz defender e para as minorias que diz respeitar. Ignora que suas atitudes negam o caráter salvífico das idéias livres. Seu autoritarismo viril nega-lhe o direito de se autodenominar "revolucionário", pois sua atitude, no tocante ao gênero é extremamente conservadora. Empodera-se à quem já tem poder. Toda forma de violência viril é patriarcal. É através da demonstração de atos de virilidade e bravura que o menino aprende desde cedo a ser homem, a oprimir os mais fracos, a comandar as mulheres. Uma revolução para ser feminista precisa antes de tudo ser pacifista, ou ao menos romper com a ideia de "violência justa" pregada pela Esquerda Revolucionária- ou seja, pelos homens viris que sempre estiveram no Poder. ISTO, destruir a cultura da virilidade, é luta real contra o tal machismo.

(Enterro de militante sírio. Aonde está o Wally? Aonde estão as mulheres?)


Diferentemente do um professor que certa vez me explicara em sala de aula que, para o revolucionário de esquerda não há sexo nem gênero, por que todos seriam iguais nas tarefas, replico que sim, o revolucionário tem gênero: o gênero troglodita. Tanto é assim que as mulheres são estimuladas a fazerem os mesmos trabalhos que os homens (em teoria) e apresentar o mesmo padrão de performance, usar as mesmas armas, etc..., mas nunca o homem é estimulado a fazer os serviços ditos "femininos". Nunca a luta pacifista é incentivada, justamente por ser coisa de "mulherzinha". Quando em muito se fala na justíssima "divisão do trabalho doméstico", deixando transparecer que para o discurso esquerdista o trabalho culturalmente delineado como feminino é inferior  e desimportante, um fardo desnecessário que deve ser dividido entre todos, ao invés de uma nobre ocupação sem a qual a vida em sociedade torna-se inviável. Aliás tem organização que até hoje discute se é legítimo ou não uma mãe zelosa lavar a camiseta vermelha do filho enquanto ele está na rua enfrentando a policia.Tudo em nome da noção de "progresso" imposto pelo homem branco e barbudo marxista/anarquista.

"sangueee..."
Evidente que não se pode generalizar, no sentido que não existe um homem e uma mulher universal. Também não se pode resumir a biografia de ícones da esquerda como Che, Trotsky e Phroudon à violência contra os "gêneros mais fracos". São símbolos legítimos de esperança para aqueles que os seguem, porém o que se vê e o que se denuncia é que no quesito "relações de gênero" a política revolucionária é historicamente a mais desastrosa, tanto no discurso, quanto na práxis. O foco principal, senão o único da agenda, é a universalização da cultura da macheza, já que os machões não querem abrir mão de seus privilégios. Numa batalha campal entre a juventude da esquerda e a "burguesia", não importa que lado saia derrotado, o discurso virilista sempre sairá vitorioso.. E tal práxis não é nada subversiva, pois (re)condiciona didaticamente a juventude a seguir o mesmo modelo de comportamento sexista tão criticado na sociedade judaico-cristã, homens na frente de batalha, mulheres e minorias brandindo bandeirinhas vermelhas atrás. Considerando as táticas e performances dentro da lógica didática, o partido/coletivo não passa de uma "concessão" social, introduzida pela sociedade cis/heteronormativa e que teria como objetivo formar uma juventude machista e virilista. Como as esquerdas almejam fazer luta contra o machismo, se suas práticas de luta, suas virtudes se baseiam no que há de mais violentamente sexista que são os exércitos e a luta armada?

Um amigo meu, marxista, disse que "precisamos de mulheres na revolução". Discordo, o que os revolucionário precisam urgentemente é do FEMININO na sua práxis. Talvez se prestassem mais atenção às falas das bichas afetadas, aprendessem algo além de repetir a heteronorma como papagaios. Seja como for, me parece uma luz no fim do túnel. Espero que não seja mais uma vez o trem do sexismo vindo em nossa direção.


*Sobre a participação das mulheres na revolução Francesa, encontrei um artigo bem didático e acessível feito pelo Deptº de História da UFF (autoria não assinalada): http://www.historia.uff.br/nec/sites/default/files/A_mulher_e_a_revolucao_fran

=> Leia a 1ª parte: http://covildamedusa.blogspot.com.br/2014/03/o-genero-revolucionario-e-macheza.html

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O gênero "revolucionário" e a macheza institucional. (1ª parte)

Ave Butler! Hail Derrida!

Primeira parte de uma série de duas postagens especiais em anti-comemoração do 8 de Março-Dia Internacional da Mulher "Trabalhadora" (como se não o fossemos todxs), explicando por que não construo essa data reacionária:

           "Nós somos as netas da bruxas queimadas nas fogueiras da Inquisição. Mentirinha, aquelas eram nossas tataravós. Nós somos as netas das revolucionárias mortas e estupradas por seus companheiros atrás das barricadas"
          "Os black blocs estão para os movimentos sociais e para a esquerda, assim como o FEMEN está para os movimentos feministas. Por que razão ainda não escurraçaram os primeiros como fizeram com os segundos? Seria por causa da defesa intransigente do machismo revolucionário?"

*Em memória do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, assassinado enquanto cobria embate entre PMs e manifestantes bandidos no Rio de Janeiro. Mais uma vítima do machismo revolucionário.(Bob Fernandes comenta o caso: https://www.youtube.com/watch?v=LPDGmpdKnKQe)


Delacroix; "A Liberdade guiando o povo"


 Estou uma pilha com o macho-ismo e o virilismo na esquerda auto-proclamada revolucionária. E é disso que falarei nesse artigo, alias sobre isso desabafarei. Falo enquanto pessoa oprimida que apanhava e era colocada de castigo pelo pai, por andar desmunhecando, falo enquanto menino que levava sova dos colegas na escola e era motivo de piadas por parte das meninas.Tenho militado a 7 anos junto ao movimento LGBT e aos militante da esquerda brasileira, já fiz parte de um partido, uma sigla bastante conhecida no meio político, já tive contato com gente de outros partidos, e de coletivos anarquistas. A maioria dessas pessoas são exemplares militantes e amigos excelentes, porém devemos admitir que as violências de gênero, machismo e LGBTfobia (sendo esta uma versão mais elaborada do machismo)prolifera nos coletivos e partidos. A minha explicação para isso, e vou defende-la, é simples, direta, honesta: a macheza (comportamento que gera e nutre o machismo e o virilismo)  é inerente à ideologia revolucionária, não há revolução, na sua ascepção mais comum, sem virilismo. Minha posição atual, é que enquanto houver opressões a Revolução será impossível, com o fim delas, a Revolução será desnecessária.

Vou na direção contrária à de certos discursos que tenho ouvido/lido pela internet, como o de Cecília Toledo e Heleieth Saffioti, para quem  (baseado no panfleto de Evelyn Reed, provavelmente) a luta das mulheres seria uma luta de classes contra a burguesia e não uma organização mundial baseada no marcador que separaria e gera uma opressão específica, o gênero , em especial quando entendido como uma divisão biologicista, essencialista e dicotômica, discurso inventado e sustentado até hoje (e aqui a grande ironia) por cientificistas "burgueses", marxistas e anarquistas.  Utiliza-se da embotada estratégia de jogar o oprimido contra um inimigo em comum, exterior, enquanto se beneficiam da "Luta de classes" para sabotar a "auto-organização" de mulheres e minorias sexuais contra seu inimigo histórico: a virilidade compulsória, geradora da relação desigual de poder. 

Se as esquerdas estivessem realmente preocupadas com a reprodução do machismo nas suas fileiras, se uniriam às mulheres e bichas burguesas para derrotar o sexismo no interior de suas organizações, reunificariam a classe trabalhadora (cuja divisão supostamente ensejada pelas opressões vivem denunciando) e só depois, com a classe reorganizada, pensariam numa revolução proletária. Mas preferem botar o carro na frente dos bois, pois como afirma a mesma Saffiotti e suas seguidoras, a discussão vital das relações de gênero é inacessessível as mulheres proletárias (mais fácil discutir mais-valia e ler O Capital, suponho) As marxistas dizem "o gênero nos une, a classe nos divide", ao que respondo, com certa base na literatura pós-feminista que sigo, "o gênero nos oprime, o classismo nos divide". Ou pelo menos assim tem sido, infelizmente. Lá insistem em falar que o problema da opressão de mulher e das minorias sexuais é de classe, aqui respondo que é puramente de performance, de comportamento, de cultura. Lá estudam e pensam a respeito da "classe mulher", aqui inverterei o discurso e me referirei, já desde o título, ao "gênero revolucionário". Lá se fala em "machismo", por aqui inaugurarei o conceito de "virilismo"


Pintura de Giuseppe Pellizza da Volpedo, intitulada "O quarto poder'', 1901. "Quem não milita, segura a criança"



Por virilismo entendo a reiteração, a legitimação do poder masculino- e nunca "do homem", frise-se, da idéia de que o macho viril é superior (indiferente de seu sexo), portanto a ele cabe o poder e a supremacia na sociedade patriarcal. Tal poder não tem de modo algum origem na propriedade privada, pois já existia dominação de um grupo sobre o outro, muito antes do surgimento e independentemente desta- aliás, em alguns momentos da história, como na XVIII Dinastia egípcia, mesmo com o acumulo de tesouros, tivemos amostras de poder feminino e não podemos nos esquecer que na época de Marx e Engels uma bio-mulher dominava simbolicamente a Inglaterra. O virilismo não tem nenhuma ligação direta com a burguesia, é uma ideologia que perpassa todas as classes sociais, todos os gêneros, raças e culturas.

França, 1789: a velha luta pela supremacia masculina?
Uma vez definido o que entendo por “virilismo”. Voltemos a questão revolucionária. Em nenhuma revolução históricamente notável se viu a participação massiva de mulheres e minorias sexuais, a não ser no papel de vitimas e perseguidas. Na Revolução Francesa, os próprios revolucionários fizeram questão de apagar dos anais a participação feminina. Com excessão de Charlotte Corday, a mínima participação delas não aparece, embora esse assunto esteja sendo agora retomado por pesquisadoras, que teriam encontrado indícios de participação feminina rechaçada no inicio do movimento. Já nas listas das cabeças guilhotinadas...

 Como o modelo dicotômico cientificista que separa os sexos/gêneros até hoje não existia àquela altura é possível afirmar com certa segurança que não havia entre as pessoas diferenciação acentuada, muito pelo contrário, excetuando a ênfase na maternidade (devidamente reproduzida por bastiões da esquerda como Engels e Kollontai, quando continuam empunhado a bandeira reacionária e sexista por "creches"), o lugar de homens e mulheres na sociedade feudal era idêntico, e praticamente não havia divisão sexual do trabalho. Com excessão dos subversivos, os "queer" da época que não se incluíam em nenhum dos gêneros, como as bruxas e os hereges, o que havia era uma perfeita simetria intercomplementar, uma harmonia entre os gêneros que os revolucionários da esquerda contemporânea sequer imaginam como replicar.  Tal divisão sexuada do trabalho surge com toda força no começo da Era das Revoluções, ou seja, diferentemente do que afirma Regina Navarro (O Livro do Amor) o tão falado modelo patriarcal não acabou com a Revolução Francesa e sim começou com ela. A mais conhecida alusão à figura feminina nas artes esta numa pintura de Delacroix, que representa a Revolução como um mulher com os seios desnudos, representando alegoricamente o lugar da mulher no processo revolucionário, enquanto mãe que nutre os seus filhos.

Na Revolução Russa, idem, muito embora feministas revisionistas jurem de pé junto (geralmente se baseando em autores virilistas como Lenin e Trotsky) que o movimento se iniciou como uma greve de mulheres. Mas é fato reconhecido que as posições de poder, a cúpula coube sempre aos homens viris. Em Cuba, além das mulheres aparecerem bem pouco, ainda os lideres, em especial Ernesto “Che” Guevara ( o protótipo do machão revolucionário latino-americano) obrigava-as  à praticar aborto contra a própria vontade e mandava os maricón à morte por extenuação no cargo mais estafante da ilha:cortar cana de sol-a-sol- exatamente como a burguesia vitoriana inglesa teria feito algumas décadas antes com Oscar Wilde. O argumento, conforme apresentado pelo próprio Che (adivinhem...) era que a pederastia manchava a imagem do homem ideal revolucionário- aliás, a mesma tese defendida por Engels em A Origem da Familia (1860), quando acusara a pederastia dos homens pela opressão das mulheres na Grécia Clássica. Mas a esquerda radical brasileira idolatra-os, veste camiseta com suas efígies, inclusive para ir a atos contra o machismo e homofobia. Irônico, para não dizer patético.

Leila Khaled, diva
Recentemente, uma organização me convidara a assistir uma palestra sobre a atual “Revolução Feminista” na Siria, que fora apresentada por uma militante vinda de lá. Como ela mesma dissera, as mulheres têm tido um papel importante no processo cobrindo os conflitos e fazendo reportagens e filmes no front. Estranho que no filme que ela mostrara durante a palestra, à certa altura mostra-se uma suposta assembléia do exército rebelde que acabara de tomar uma cidade, mas não reconheci no filme nenhuma mulher/minoria sexual numa posição de poder, discutindo e votando as decisões. Aliás, uma série estúpida de conflitos que já vitimizou mais de 100.000 cidadãos só por causa da teimosia (leia-se “machismo”) de rebeldes que ainda não entenderam que a Guerra Civil foi perdida, não conseguiram angariar o apoio da ONU e da comunidade internacional e estão rebatendo as bombas de caças do ditador Bashar al-Assad com “estilingues” e muita testosterona. Apóio e acho justíssima a bandeira pela queda daquele ditador sanguinolento, títere do imperialismo ianque, mas a falta de bom-senso é generalizada e mata.

Enquanto isso, os revolucionários "feministas" sírios apedrejam garota até a morte pelo crime hediondo de  fazer uso do Facebook: http://daily.bhaskar.com/article/WOR-syrian-girl-stoned-to-death-for-using-facebook-account-4521918-NOR.html


Virou moda em alguns espaços revolucionários mostrar mulheres armadas com fuzis e metralhadoras. Não há novidade nisso, na década de 1960 já tinham estampado nos jornais e revistas a bela figura da hjacker  (“seqüestradora de avião”) e uma de minhas heroínas favoritas do século XX, Leila Khaled. Mas conceder lugar de fala, poder e decisão às mulheres, já é vandalismo. Pelo contrário, por nossas paragens há quem critique o governo Dilma, como a prova de que a tese do “empoderamento” (feminino) não funciona. “Mulher no volante, perigo constante. Na frente do Estado, perigo dobrado”. O mais bacana é que não funciona mesmo, pois, como tenho defendido, nada importa o que x governante tem no meio das pernas. O problema é a forma máscula, violenta, excessivamente objetiva e fria como sempre entendemos e tratamos a política no Ocidente.


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