* Contribuição a todxs militantes feministas, LGBTs e do ME, sobre um tema que vem me incomodando à anos. Perdoem-me se minha linguagem parecer rude e desrespeitosa,foi o que consegui.
ATUALIZAÇÃO (24/02/14): Republico este texto para dizer que mudei de concepção. Ao encontrar um texto no site da Revista Fórum sobre o tema, percebi que não apenas minha visão estava correta como o negócio é bem mais embaixo. A partir de hoje o meu lema será "TROTE BOM É TROTE NENHUM":
(...) “O trote é um processo seletivo para você entrar em um grupo – o dos trotistas – que exige obediência e silêncio. Não é pra entrar na universidade, é pra entrar nesse grupo específico que disputa o poder e o controle da universidade. Esse grupo exige o trote violento. O teste tem que ser dolorido, só assim será de fato visto como um teste”, indica Antonio Ribeiro de Almeida Junior.(...)
(...)“No pedágio, você pega os alunos de primeiro ano e coloca na condição do mendigo. É um preconceito de classe. Analisando os apelidos, percebe-se que fazem referência à origem étnica, opção religiosa, sexual, características físicas. Por exemplo, se o sujeito é muito alto, vai se chamar algo como Bambu, se é negro, vão falar que é a Branca de Neve. Essas barbaridades que ocorrem nos trotes aparecem como comemoração, alegria”(...)FONTE: http://revistaforum.com.br/digital/134/trote/
CONTRA TODOS OS TIPOS DE TROTE, INCLUINDO OS "SOLIDÁRIOS"!!!
NÃO EXISTE TROTE SOLIDÁRIO. TROTE NÃO É DIVERSÃO. É VIOLÊNCIA E PODER!!!
NÃO EXISTE TROTE SEM OPRESSÃO.
"Calourxs à procura de umx donx..."
Escrevo essa na esperança de poder manifestar minhas severas criticas, em forma de desabafo, ao slogan “veterano não é dono de caloura”, utilizado por alguns colegas do ME. Vou lançar mão daquilo que me é mais caro e da forma de discurso mais honesta que existe: minha experiência empírica pessoal, que imagino ter ecos entre vários grupos de estudantes. Alguns colegas tem se referido ao grande sucesso dessa campanha e do enorme apoio. Pois bem, sou uma voz dissonante, e quero defender meu ponto-de-vista.
"... mas será que não ficou ninguém de fora?" |
Têm-se conceituado “opressão” como “ a diferença que gera desigualdade”. Discordo. Toda diferença tende à desigualdade, pois não se pode conceder direitos iguais aos “diferentes”, uma vez que, pelo fato das necessidades individuais nunca serem as mesmas, algumas pessoas acabarão recebendo mais do que necessitam (de uma forma geral, prejudicando o lado mais fraco). “A cada um conforme a necessidade”. Não, a opressão ocorre quando a diferença se transforma em exclusão. Fala-se muito em opressão, em exploração, mas falar em exclusão é um grande tabu.
O slogan “veterano não é dono de caloura”, construído à partir de um discurso sobre a sexualidade, peca em vários quesitos, justamente por se basear em pressupostos universais, numa lógica discursiva que, quando não contestável, torna-se excludente por desconsiderar as múltiplas exceções à norma. É elitista e tende ao machismo, à heteronormatividade, ao racismo e à defesa de todos os padrões estéticos impostos pela sociedade (que sabemos bem estar disponíveis apenas àquelxs que têm acesso ao capital). Explicarei abaixo:
“Machismo” é uma forma de sexismo que busca justificar e naturalizar a suposta subordinação da mulher sob o domínio masculino. É justamente a lógica implícita nas falas que colocam o homem sempre como “o opressor”, o “dono”, o “ativo”, que põe a mulher no papel naturalizado de “objeto” e incapaz de promover ataques aos calouros. Justifica-se o suposto temperamento recatado das veteranas não no discurso de que mulheres são “santas” (pois não é o que defendemos) mas simplesmente no fato de serem mulheres.
É heteronormativo e cissexista, pois ao afirmar uma relação explicita entre homens e mulheres, parte-se do pressuposto que relações de poder baseadas no desejo e sexualidade são inerentes apenas a pessoas cisgêneras e heterossexuais. LGBT’s não sentem desejos, ou será que são criaturas angelicais, incapazes de oprimir Xs calourXs? Da mesma forma a frase machista “calouro não pega mulher”, que já ouvira em alguns trotes, além da óbvia objetivização das calouras, ainda impõe uma hierarquia, um monopólio da violência moral dos veteranos “machões” sobre as veteranas, os outros veteranos e os calouros em geral, independente de gênero. Quem disse que As veteranAs não podem desejar ser “donas” dos calouros, ou mesmo, de outras calouras? E as pessoas que não cabem nesta dicotomia maniqueísta “homem versus mulher”, quando poderão gozar destes espaços em suas vidas, momentos que deveriam ser marcados pela festividade e pela receptividade?
É a velha lógica do macho-alfa dominador, instintivamente imposta nos trotes, neste vestíbulum para a vida adulta. O trote, pensado á partir da ótica do gênero e da maneira como tem funcionado, na prática só serve para ensinar à juventude quem comanda a sociedade: os homens, brancos, cisgêneros, heterossexuais, da classe-média, “bombados” e principalmente acima de tudo ,viris. Infelizmente, uma lógica perversa e animalesca que tem reinado na maioria das instituições e coletivos da esquerda (a direita preferimos nem discutir) e do Movimento Estudantil.
Além de machistas, os trotes são gordofóbicos, gagofóbicos, pobrefóbicos, xenofóbicos... e nenhuma opressão é menos importante de ser considerada ou combatida que a outra. Me dirão alguns que a campanha contra o trote machista é de maior urgência por ser o mais frequente e evidente. Mas o problema é justamente o fato de que outras formas de discriminação fora do tripé “machismo, racismo e homofobia” se tornam invisíveis e deixam de ser discutidos e combatidos, dando ao individuo a justa sensação de abandono e exclusão, no momento em que mais precisa de apoio.
Assim, tal slogan da campanha contra o machismo passa a contemplar apenas uma elite de mulheres brancas, jovens, cisgêneras, heterossexuais, da classe média e suficientemente inscritas dentro dos padrões de beleza, ao ponto de serem desejadas e “domesticadas”- muitas vezes não a contragosto, pois entendem tal ato não como opressão machista, mas como “empoderamento” pessoal, como símbolo de status sobre as outras, seguindo um pensamento imposto pelo ideário patriarcal. Enquanto que algumas mulheres sentem-se socialmente excluídas por não terem acesso ao processo de objetização, sentem-se menos desejadas e valorizadas (ou mesmo desumanizadas) se não tiverem um “dono”. Talvez a estudante negra, pobre e de cadeira de rodas tenha seu rendimento acadêmico psiquicamente comprometido, pois nunca teve o prazer de ter um “dono”. Mulheres cadeirantes também possuem libido? Aliás, veteranos menos viris também sentem desejos?
Antes que me acusem de ser machista, não concordo e aliás, prego incansávelmente que devemos militar contra a cultura excludente, que impõe às mulheres que elas devem desejar servir aos homens; que os homens fora do padrão viril, devem ficar calados ou se expor à vexação publica; que as pessoas que não se enquadram em nenhuma norma consagrada de gênero devem aceitar como destino apenas a violência e o desprezo. O que tem faltado às esquerdas é pensar as opressões de forma menos superficial, fora da falsa idéia de hierarquia materialista que categoriza de forma engessada o “opressor” e o “oprimido”. As relações de poder, como se tem demonstrado, não se dão sempre de maneira hierárquica, mas na maioria das vezes de forma horizontal ou formando “teias” complexas no tecido social. E as opressões que têm por base sexo e sexualidade se estruturam em complexas redes de poder, fetiche e desejo. Aliás, “poder”, “fetiche”, desejo”, “subjetividade” e “exclusão” também são tabus, que deveriam ser minimamente discutidos pelas esquerdas, que muitas vezes acabam reiterando sem perceber a lógica malafáica de que “preconceito é quando bate, mata ou estupra”. Ou só quando gera exploração capitalista.
Tal slogan é equivocado justamente por não ir ao fundo da questão, as relações de gênero, que por sua vez não tem absolutamente nenhuma causa material ou econômica, não tendo em sua origem nenhuma relação com a propriedade privada e é muito anterior ao Patriarcado.
Não precisamos apenas de trotes que não sejam opressores, mas de rituais que sejam includentes (aliás será que precisamos mesmo?). Por isso, proponho como slogan, que acho muito mais progressista de ponto-de-vista da sexualidade e do empoderamento das minorias de gênero: "Contra os trotes broxantes", . Para que todxs possam participar e gozar juntxs. E de preferência no escurinho para não haver discriminação e exclusão.
Dorothy Lavigne, estudante de história pela UFRJ e transfeminista
No closet
Desbundai e putiái!
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