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Ainda sobre a [des]patologização: desabafo do Menino Guerreiro

segunda-feira, 11 de junho de 2012.
Ave Butler! Hail Mott!

Continuando a polêmica sobre a Despatologização das identidades "trans", reproduzo com carinho um artigo escrito por amigo e companheiro de luta que utiliza o justo codinome  de Menino Guerreiro e e´autodefinido como transhomem (criticas aos identirarismos á parte) e que preferiu apaprecer disfarsado para não sofrer represálias,hehehe. Gostaria muito que alguém comentasse abaixo, concordando ou não e penso que seria muito útil se pudéssemos incluir nunm outro post, um texto favorável a continuidade da patologização, seria um bom contraponto.

Segue o desabafo:.


Venho falar de um assunto que incomoda há tempos. Mas venho como quem é atingido, nada de pretensões acadêmicas. Até agora tudo o que ouvi ou li não me satisfaz, não dá conta do que penso e sinto. Por isso me atrevo a dizer mais.
Falo da patologização da transexualidade. É bem verdade que para mim, esta patologização não é somente de um estado, mas de todas as vidas que teimam em não se adequar estoica e sorridentemente na gavetinha da “preferência nacional”: a heterossexualidade. Não acho que só pessoas trans deveriam estar incomodadas com este julgamento estratificador desrespeitoso, não somos apenas nós xs condenadxs aos códigos, são todxs que desafiam o império heterossexual, altamente arquitetado pela monarquia absolutista da medicina.
Sem sombra de dúvida, questiono a veracidade desta patologia. Se sabemos que a masculinidade e/ou a feminilidade é produzida pela sociedade numa rotina incessante, via adestramento, minha pergunta é óbvia: Porque alguém que não está lucrando nada com esse processo, insiste neste circo? E vem daí minha indignação e até certo ponto, minha irritação com a comunidade que eu deveria pertencer. Falo especificamente dos homens transexuais, as mulheres estão bem mais adiantadas, contudo não é prudente fazer generalizações. Os homens trans, em sua maioria, no contexto nacional, são favoráveis e fervorosos militantes deste encarceramento. Não compreendo. Juro que já tentei, porém não encontro explicações racionais. E como sou um igual, me sinto confortável em argumentar criticamente contra este lugar de “cordeirinho manso”.
     A fala recorrente é de que precisamos do poder médico para realizar as cirurgias e a hormonização. Alguns chegam a aludir a um suposto saber onipotente, que jamais deveria ser contestado, sob pena de cometer um sacrilégio. Seria cômico se não fosse trágico. Tomar o saber médico/psicológico como lei é além de estrategicamente infeliz, absurdamente pelego. Não encontro outra palavra que defina melhor esta situação. Não escondo que busco respostas mais contundentes em outros saberes, e que me encanta muito mais teorias mais críticas e menos arrogantes.
     Metanarrativas me incomodam. Superciências (ou super cientistas) me aborrecem. Prefiro a compreensão do fenômeno contemporâneo da transexualidade pela perspectiva de ser apenas uma outra forma de existência que não se alinha aos caminhos ditados de uma sociedade incapaz de conviver pacifica e harmoniosamente com a diversidade de vidas. Não falo nem humana, porque o meu planeta não é só meu, nem de minha tola espécie. Ainda bem, somos muito entediantes e mesquinhos para a Terra.
     Voltando ao propósito. Penso que é preciso compreender a apreensão da sexualidade e da corporalidade pela medicina e suas derivadas como mais um jogo de manutenção do status quo, em que essas ciências são apenas algumas formas de conhecimento, sem nenhuma chance de representarem a perfeição no status científico. Palavra final não “rola mais” num mundo em que a informação não é mais (ou pelo menos não deveria ser) um privilégio de alguns grupos, em que o monopólio das ciências naturais como explicação para os fenômenos sociais já foi derrubado e em que se reconhece cada vez mais que NENHUMA ciência ou NENHUM conhecimento é sólido e impermeável a ponto de ser dogmático. Enfim, acredito que esta defesa acalorada do saber médico, só demonstra o descompasso da população trans e a própria história social, uma vez que trata-se de uma tática de obediência e servilismo, sendo que estas “habilidades” nem sempre nos trouxeram qualquer retribuição.
     Aceitar ser patologizado é rasgar seus direitos civis, é infantilizar-se em troca de uma aceitação social (que nunca acontece), é descrever-se como ser sem escolha, é resignar-se com um destino infalível, é deixar em outras mãos o seu futuro e o seu presente, é negar que só temos presente e pretendemos um futuro ao sermos obra de um passado que também construímos, é fazer escambo com sua dignidade, é autorizar outrem a tutelar nossas vidas e corpos, é doar aos nossos inquisidores e carrascos o chicote que nos violenta com suas definições, laudos, testes, comprovações e todas as artimanhas que esses donos de nossas mentes e almas utilizam para domar o instinto de toda vida que existe: o instinto de existir como quiser.
     Contudo, meu intento ainda é outro. Gostaria muito de descobrir, ou de pelo menos compreender, ainda que pouco, as motivações que levam tantos homens transexuais a aceitar a patologização de sua experiência, que só piora quando ouço frases do tipo: “sei que não sou doente, mas precisamos deste status por hora”. E quando será o momento de questionar essa arbitrariedade? Quando nossos destinos já estiverem selados com a extradição de nossos corpos ao terreno das aberrações “corrigidas”, ou na linguagem do poder médico “readequadas”? Esta postura me faz temer muito o quê pode nos esperar, pois, ao contrário dos meus iguais não acredito piamente na “bondade irrefutável” e na “perfeição celestial” da medicina, portanto, temo o futuro relembrando o pretérito. Em outros tempos – não tão distantes – o “tratamento” para a correção das anormalidades poderia ser muito semelhante às práticas do santo ofício ou dos campos de concentração da Germânia nazista. Vai que a moda volta, não é mesmo? Seguro morreu de velho.
     Penso que para esquematizar minhas conclusões seria pertinente à divisão em dois eixos explicativos para esta sujeição voluntária de meus compatriotas de corpo ao poder abusivo das ciências médicas e suas adjacências. Meu primeiro possível entendimento para tal conduta está relacionado à constante necessidade do ser humano de hierarquizar tudo e todxs. Chamarei aqui de hierarquia residual. Minha outra elucubração é muito mais complexa de definir, minha crença é que de alguma forma que não consigo compreender (por mais que esforce ao máximo) minha população acata todo este teatrinho da patologização encenando perfeitamente seu papel de dócil doente convicto devido a uma implicação moral. Há algum ganho moral nesta perversa posição. E este proveito que não me convence em nada, e talvez por isso, me seja tão difícil a compreensão.
     Pois bem, vamos aos pontos. Denominei de hierarquia residual (e afirmo que se outrxs já usaram este termo, peço desculpas, mas desconheço) a ocorrência da manutenção de divisões altamente hierárquicas em minha população. Os hormonizados são considerados mais homens que os que não iniciaram a sua terapia. Os que têm o laudo estão à frente de quem ainda não o possui. Aqueles que fizeram cirurgias (principalmente a mastectomia, sendo que tamanhos menores dos seios também são indicadores da “masculinidade”... Hã???) são mais masculinos e “mais convictos” que outros, pois já estão em fase final de transição. Quem alterou a documentação conseguiu atingir todas as etapas deste jogo e ganha o título-prêmio de “homem de verdade”. Excluindo minha paciência nula com estes contrassensos, penso que há um motivo real para esta hierarquização, afinal somos todxs ensinadxs a reproduzir a cultura, e nossa cultura é hierarquizante. Parece-me uma tática tola de tão cruel, pois ao inferiorizarmos “os de dentro (nossos iguais)” que ainda não cumpriram todas as exigências do “rito de passagem”, buscamos egoisticamente nos elevar aproximando nossa imagem aos mais adaptados. Darwin e sua teoria (que mais tarde deram origem às doutrinas evolucionistas sociais) demonstra ser leitura de cabeceira de quem sustenta tais convicções. Só digo que vejo tudo isso como um tremendo “tiro no pé”. Ao sustentar que há algo completamente adequado e normal a ser atingido, nos afastamos paradoxalmente da possibilidade de uma existência digna.
     Quanto ao lucro moral não consigo aprofundar minhas análises, pois, como já afirmei, este posicionamento me enoja a ponto de ser passional minha reação. Questiono-me até onde vale teimar nesta luta, em que a própria população deseja a sua cova, e o pior sente-se agraciada com o aprisionamento. Em nome de protocolos de cirurgias que não passam de migalhas, vende-se sua humanidade, sua autonomia e a tutela do estado psiquiatrizante é tida como a "melhor das soluções". Não entendo. Não consigo entender. Como algo tão nefasto pode ser bom? Confesso que não entendo como vitimização, pois, percebo que quem usa o discurso de “não sou doente, mas preciso de tratamento e por isso aceito o adoentamento” é consciente desta manipulação perversa, alimenta este teatrinho de mau gosto. Acredito que tenha a ver com a ideia sinistra de que ao se dizer doente, pensa-se que a sociedade irá aceitar e abrir as “portas da felicidade” para os infortunados do destino. Ora, não há nada mais fantasioso que isto! Perder o direito à escolha por ser portador de uma enfermidade comprometedora de suas faculdades mentais não pode trazer nenhum consentimento social, mesmo que movido por compaixão, para a alegria de pertencer ao rebanho. Ao que me conste, esta estratégia nunca foi muito exitosa. Por que para um preconceito tão arraigado seria? Primeiro que implorar piedade nunca salvou ninguém dos seus algozes. Além de não ser nada honroso ir a uma guerra solicitando o obséquio de ser perdoado por existir. Aliás, até onde eu saiba pedir clemência sempre trouxe apenas um suplício mais duradouro ou uma perene escravidão. Em nada este destino me interessa. Não são as portas da felicidade que se abrem “miraculosamente” para os mais obedientes servos da “normalidade”, são as janelas dos cativeiros da servidão dependente que abruptamente se fecham, impondo à anoxia aos nossos sonhos, aos nossos desejos, aos nossos corpos, as nossas almas e as nossas vidas. É somente enquanto houver a semente teimosa desejante de outro tempo, em que a diferença seja compreendida como constituinte de nossa realidade; outra sociedade, que brinde a diversidade; outro mundo sem hierarquias e sem superioridades estúpidas em nossos caminhos que poderemos conquistar a mais bela das vitórias: a compreensão que somos completxs e destinadxs à felicidade pois somos dotadxs das mais infinitas possibilidades de existência as sermos apenas, e nada mais que isso, seres VIVOS!!!

VIVA A DESPATOLOGIZAÇÃO!!!

MENINO GUERREIRO,.09/06/2012.

*Valeu Warrior Boy! Vamos de MPP-Movimento Pé na Porta!

No closet

Desbundai e putiá

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